Desenho de Taciane, minha filha de seis anos.
Era meado de janeiro de
1999, quando Cleptônio foi ao centro da cidade para comprar ou adquirir alguns
livros. O livro é o objeto de seu desejo substancial. Ele só anda com livros
sob o braço, mesmo que não vá à aula, pois com livros, sente-se um tanto intelectual.
Primeiramente, foi ao Arqueólogo, uma livraria que vende livros usados,
portanto, mais baratos, acessíveis à compra. De lá, é cliente assíduo. Neste
dia, ele estava a procurar um livro de filosofia. Fuçou várias prateleiras, mas
debalde, não encontrou. Mesmo assim, comprou ainda três: “Ensaio sobre
Cegueira”, de José Saramago, “Vidas Secas”, de Graceliano Ramos e “O Capital”,
de Karl Max. Foi, então, a outra livraria, porém, como esta somente trabalha com
livros novos, são caros. Cleptônio só tinha dinheiro para a condução, pois
gastara seu mínimo estipêndio de mestre (como sempre) comprando livros e mais
livros; denominava-se de bibliófilo orgulhosamente. Entrou na livraria, logo o
atendente o interpelou:
- Pois não! Posso
ajudar?
- Sim. Por favor, vocês
têm livro de filosofia?
- Temos, sim. Só um
momento!
O moço atendente, com
indumentária de cor padrão e logotipo da empresa, dirigiu-se à seção à esquerda
para pegar o livro. Enquanto isso, Cleptônio o aguardava escorado no balcão de
vidro, com as sacolas com livros em cima.
O funcionário retornou:
- Eis os livros.
- Quanto custa este?
Perguntou, segurando um livro de filosofia intitulado de “Convite à Filosofia”,
de Marilena Chauí. O balconista respondeu casquinando como quem percebera que
ele não tinha condição de comprar:
- Custa cinqüenta
reais...
O bibliófilo sentiu um
frio na barriga, porém manteve a postura firme e replicou:
- Há outros títulos
além desses?
- Sim. Respondeu o
moço.
Ora, Cleptônio estava
diante do que procurava e estava convicto de que não podia comprá-lo. Pediu
outros títulos adredemente para distrair o balconista. E quando o moço se
ausentou, ele colocou o livro dentro de uma de suas sacolas que, mesmo
transparente, camuflou-o no meio dos outros livros. Minutos após, o atendente
voltou trazendo mais títulos. Neste ínterim, uma senhora portando uma lista de
material estudantil a ser comprado chama o rapaz que, certo de que Cleptônio
não compraria nada e que só lhe fazia é perder tempo (um vendedor experiente
sabe quando o cliente vai comprar ou só especular) e abandonou-o para atender a
outra cliente, pois a comissão era certa. Quando Cleptônio estava próximo á
saída, um segurança, daqueles fardados, armado com revólver 38 o interceptou
bruscamente, segurando-o pelo braço esquerdo:
- Vamos ali!
- Para onde? Por quê?
Quis saber sem poder esboçar reação alguma. E nem poderia, porque era franzino,
raquítico, magérrimo, não ofereceria resistência diante daquele brutamonte que
o conduzia. Seu flagrante se deveu ao fato de que Cleptônio não ter percebido
que havia várias microcâmeras vigilantes estrategicamente instaladas no
interior do estabelecimento.
Ele foi conduzido, cautelosamente, para não causar
escândalo ou chamar atenção dos demais clientes que lotavam a livraria, à
gerência no segundo andar. Lá, foi entregue ao gerente, um sujeito carrancudo,
frio, meio indígena, com face impregnada de orifício causado por erupção
cutânea, parecia uma paisagem lunar ou um queijo suíço.
- Por que você me
roubou o livro? Vociferou o gerente.
- Porque um livro, para
mim, não é objeto qualquer de consumo, de uso individual que dá poder, status a
quem o possui como um carro, um relógio de ouro, um celular... E sim, um objeto
que deve ser partilhado por todos, doado e não vendido ou comercializado.
Argumentou Cleptônio.
- Você sabia que furto
é um delito que pode levá-lo à prisão? Deblaterou o gerente.
- Prefiro a prisão
física, que é determinada, à prisão intelectual, que é perpétua. Respondeu
Cleptônio.
- O que você faz?
Inquiriu o Gerente.
- Sou professor.
- Guarda, devolva suas
coisas e retire esse sujeito daqui! Ordenou o gerente.
- Senhor, é para
devolver tudo, até o corpo do delito? Quis saber o guarda.
- Sim! Eu disse tudo!
- E que não retorne
mais aqui, viu! Concluiu o chefe.
- Obrigado por me
entender, senhor! Agradeceu Cleptônio.
Ele, rapidamente, juntou todos seus livros que o guarda
tivera jogado no chão, inclusive um livro de teoria literária que ele tomara
emprestado da biblioteca há meses e desceu a escada regozijante por ter
conseguido o livro.