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domingo, 30 de outubro de 2011

Haicai 5

Desenho de Taciane, minha filha com seis anos.

Haicai, haikai ou haiku é um pequeno poema de origem japonesa com aspecto formal de três versos. O primeiro verso tem cinco sílabas poéticas; o segundo sete e o terceiro cinco. A tradição nipônica faz com verso branco e métrica perfeita, mas, no Brasil, tanto é praticado com verso livre quanto rimado (eu gosto mais assim), sobretudo por Millôr Fernandes. Aqui, no Amazonas, há muito haicaístas, como Luiz Bacelar e Zemaria Pinto, que foi meu professor. A idéia central do haicai é paisagística e filosófica, porém os brasileiros abordam temas diversos, por exemplo, político, humorístico. O pioneiro em fazer haicai foi  Matsuô Bashô (1644-1694), que se dedicou a fazer dele uma prática espiritual. A seguir, vou dar exemplos de haicais de autores diversos e depois os meus.

Luar de agosto.
No alheio telhado ao lado
concerto de gatos.
(Luiz Bacellar)

Noite de piracema.
A lua indiscreta mostra
a rota do cardume.
(Luiz Bacellar)

sobre a mesa posta
o olhar do peixe descansa
fitando o infinito
(Zemaria Pinto)

asas da manhã
flutuando à luz difusa
na pele do vento
(Zemaria Pinto)

Doente da viagem,
Meus sonhos perambulam
Pelo campo seco.
(Matsuô Bashô)


Crisântemo branco –
Sequer um grão de poeira
Ao alcance dos olhos.
(Matsuô Bashô).


 E o medo que mete
Esse espelho
Que reflete.
(Millôr Fernandes

Nas pistas
Aviões cheios
De arrivistas.
(Millor Fernandes)



soprando esse bambu
só tiro
o que lhe deu o vento.
(Paulo Leminsk)

nada me demove
ainda vou ser o pai
dos irmaos Karamazov.
(Paulo Leminsk)

E agora os meus:



Na seca, urubu

Tem que comer até fruto
De mandacaru.

Fogo na floresta
Destrói todo manto verde
E só cinza resta.

A coroa-de-frade
É muito mais importante
Que a coroa de abade.

É um pêlo chique,
Que cresce no verão (a barba
Do chique-chique).

A esse Fujicida
Não irei enquanto ainda tiver
Muito amor à vida.

Estrela cadente,
Tenho um pequeno pedido:
Que eu fique contente!

Em pleno arrebol,
Numa tarde de verão,
Veio chuva com sol.

Ah, que formosura,
Tamanduá-bandeira come
Também tanajura!

Tigre-de-bengala
Pede clemência igualmente
Ao ursinho coala.

Sofre o caranguejo
Quando o Mar briga com a
Praia, eu sempre vejo.



Formiga com asa

(Sinal de sua liberdade

p´ra fugir de casa).



Após sol-com-chuva,
Houve  revoada, em nuvem,
De alada saúva.

Como camicase,
A formiga, quando quer
Se perder, cria-se asa.

Semelhante ao jarro,
O besouro faz sua casa
Somente com barro.

O Céu estrelado
Me imbui de verve que fico
Mui refestelado.

Na chuva com sol,
Fica mais viçosa e viva
Flor de girassol.

Café-da-manhã
Da libélula é larva
Do carapanã.

Plaina com estilo
De árvore, em árvore,
Um alado esquilo.

A chuva de abril
Faz desabrochar a flor
Do pé de abiu.

É num simples ato
Que a cobra dá fatal bote
No indefeso rato.

Chuva torrencial...
Os batráquios começam
 O ensaio musical.

No sol da manhã,
O bem-ti-vi canta no
 Pé de tucumã.



domingo, 23 de outubro de 2011

Jura de amor eterno

Desenho de Taciane, minha filha com seis anos.

Fiz esta música após o desabafo de um amigo com crise conjugal. Quando ele superou a situação, eu mostrei para ele. Leu, ficou pensativo, disse-me que ficou bom e depois sorriu.  
Minha amiga, Mary Cristina, que já gravou três músicas minhas, ainda não gravou esta, mas decidi publicá-la porque gosto de variar as postagens.








Cumpri a promessa que te fiz
Que foi de te fazer feliz,
Mas não cumpriste o juramento
Que me fizeste em nosso casamento,
Perante o homem e Deus
E diante dos padrinhos teus,
De me amar eternamente.
Agora vivo amargamente
A suplicar por carinho teu,
Pois não queres mais o amor meu,

Não queres mais o amor meu,
Não queres mais o amor meu.

Parece que me tens como inimigo
Nem sequer fazes amor comigo.
Tudo que tenho e faço, desprezas.
Não há súplicas ou rezas
Que te faça me amar novamente.
Se dizes que ainda me amas, mentes.
Sem ti, não sei o que faço da vida,
Não encontro uma saída,

Não encontro uma saída,
Não encontro uma saída.

Te queixas de mim de tanto trabalhar,
Mas não vês que é para boa vida te proporcionar.
Ainda te amo e sinto saudade,
Mas nem de mim sentes piedade,

Nem de mim sentes piedade,
Nem de mim sentes piedade.




domingo, 16 de outubro de 2011

Dois amigos

Desenho de Taciane, minha filha com seis anos.


            Desde quando tinham cinco anos que Fábio e Cláudio eram amigos. Essa amizade herdaram dos pais. Ambos moravam no subúrbio, numa casa modesta de madeira, numa rua sem asfalto, pois o bairro era recém formado. A modernidade só havia chegado lá por meio da energia elétrica. A água obtinha-se de poço artesiano. Mas as crianças não ligavam para isso: queriam mesmo era se divertir tomando banho no igarapé que corria numa reserva florestal próximo. Cláudio tinha somente irmãs e Fábio era caçula de nove filhos, portanto, dentre seus irmãos, o mais próximo tinha o dobro de sua idade. Fábio era só um mês mais velho que Cláudio, mas praticamente da mesma estatura. Este era branco de cabelos lisos e olhos castanhos; aquele era pardo, olhos pretos e cabelos pixains. Aos quinze anos, a prefeitura teve que canalizar o córrego devido aos constantes assoreamentos. Como a casa de Cláudio era num local de risco, a família fora indenizada e teve que se mudar para um bairro distante do centro da cidade, separando, assim, os amigos. Passaram-se três anos, sem convívio, vendo-se apenas uma única vez quando foram fazer um serviço com seus pais. Mas, numa coincidência incrível, os dois se encontrarem na fila para o alistamento militar no Batalhão de Infantaria de Selva (BIS).
- Vai servir? Quis saber Fábio.
- Vou. E você?
- Também.
- Que legal! Comemora Cláudio.
Fizeram todos aqueles treinamentos de guerra juntos, inclusive, a Operação boina, tão temida por todos, pois exige todo aprendizado de técnicas de sobrevivência numa guerra e se saíram muito bem, porém viram muitos colegas que passaram mal, chegando ao desmaio. Todavia, apesar de terem sido condecorados, só completaram um ano de serviço militar porque concluíram que ganhavam muito pouco e sem possibilidade de promoção, uma vez que não tinha boa escolaridade porque são de uma época em que se primava pelo trabalho e não pelo estudo. Ambos escreviam errado por linhas tortas. Ficaram alguns anos fazendo serviços eventuais de pedreiro, profissão que aperfeiçoaram no exército. Depois se encontraram novamente numa fila pleiteando  emprego em uma grande construtora. Os dois conseguiram o trabalho e aí não mais se separaram. Casaram. As esposas também se tornaram amigas. Fábio teve filhas gêmeas e Cláudio apenas um filho. Eles continuaram fazendo serviços nas folgas do trabalho fixo para os amigos e conhecidos para complementar a renda familiar. Às vezes, um contratava pequeno serviço e se houvesse um impedimento em fazê-lo, um chamava o outro para ajudar ou concluí-lo numa simbiose admirável. “Nem irmãos são unidos assim, eles nunca brigaram nem discutiram”, observavam muitas pessoas. Nas folgas do trabalho, quando não faziam “bicos”, saiam de bicicleta, "hobby" da dupla, para passear em quase toda cidade, aliás, não gostavam de condução, faziam seus deslocamentos assim. A empresa chegou a proibi-los, temendo acidente, de se deslocarem de bicicleta do trabalho para casa e vice-versa, mas eles as deixavam na casa de um amigo que morava próximo da firma. Também gostavam de sair juntos para beber, pois moravam em bairros vizinhos. Fábio era calado, sério, mas também sabia se descontrair com as histórias e piadas do amigo; já Cláudio, era o oposto: extrovertido, loquaz, espirituoso. Quando estavam juntos, suas características se equiparavam, parecendo duas crianças.
            Agora já eram de meia idade, mas continuavam fazendo o que sempre fizeram. Certa vez, após chegarem do trabalho às suas casas, combinaram de sair para beber no bar que sempre freqüentavam no bairro de Fábio. Estavam comemorando a vitória de seu time de coração, visto que torciam pela mesma agremiação de futebol. Como de hábito, ficaram até meia noite e se recolherem aos seus respectivos domicílios. Às seis horas, chegaram à casa de Cláudio dois policiais com mandato de prisão por suspeita de assassinato. Cláudio se levantou atordoado, confuso e de ressaca tentando entender o que sua esposa lhe dizia sobre os policiais, mas logo sentiu um arrepio ao compreender.
- Temos que levar o senhor preso, pois trouxemos o mandado, por suspeita de crime. Afirmou um soldado.
- Mas eu não matei ninguém e tenho uma testemunha, que é meu amigo Fábio, que depois do bar, viemos embora dormir.
- É justamente a vítima! O Fábio amanheceu morto no igarapé. Explicou o soldado.
Neste momento, deu-lhe uma tremedeira de baixo para cima, deixando Cláudio em estado de choque, entretanto foi conduzido à delegacia. Lá o delegado o interrogou. Logo percebeu que ele era uma pessoa boa, pacata e sem maldade. Ele explicou sua amizade de longo tempo, que nunca tiveram desavença ou briga e chorou. Estava mais triste com a notícia de morte do amigo do que com seu cárcere. Foi conduzido à cela. Ficou o dia todo sem comer, beber nem dormir, somente chorando como uma criança contrariada. À meia noite, ouvia alguém falando com o delegado de plantão. “Essa voz não me é estranha”... Sussurrou. Porém, não identificou de quem era. De repente, o delegado apareceu com as chaves na mão e já abrindo a porta da cela:
- Você está livre! Determinou o chefe de polícia com um olhar misterioso e sorriso lateral, como quem admitindo um erro e estava corrigindo. Entregou-lhe seus pertences em silêncio. Cláudio não deu uma palavra. Saiu. Não se alegrou com sua liberdade. Contemplou as estrelas. Ainda inculcado com aquela voz, seguiu imediatamente para o velório do amigo.

Estou no blog   CRONUTOPIA  do meu grande amigo Dilso com publicação de nossos comentários, o que constitui, de certa forma, nossa correspondência. Dilso é um grande intelectual com múltiplos talentos: é analista literário, contista e poeta. Seu blog é uma valorosa fonte de sabedoria. Vale a pena conferir.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Homenagem às crianças

Desenho de Taciane, minha filha com seis anos.

Taciane, minha filha com seis anos, pediu-me para publicar um poema dela em 12 de outubro, dia que se homenageia as crianças. Não pude recusar, pois esse é seu dia. Além de homenagear às crianças, quero dedicar esta postagem à minha nova amiguinha Juliana, que é uma criança de 8 aninhos, mas escreve e desenha como gente grande, filha de meu amigo André Víctor, também escritor,     Histórias do André Victtor, seu blog é Estórias da Juliana.


Todos os Céus são maravilhas com os anjos;
Todas as plantas vão florir;
As flores despetaladas no outono para virar frutos;
Todos os pássaros vão ensinar seus filhotes a voar
E todos os pais irão brincar com seus filhos. 

domingo, 9 de outubro de 2011

Dia a dia

Desenho de Taciane, minha filha de cinco anos.

Dia a dia, temos que
Comer,
Beber,
Descansar,
Amar,
Decidir,
Dividir,
Trabalhar,
Perdoar,
Sorrir,
Dormir,
Acordar,
Falar,
Calar,
Renascer e
Sobreviver.




domingo, 2 de outubro de 2011

Psicologia de um paupérrimo

Desenho de Taciane, minha filha com seis anos.

Este poema tem uma história curiosa: foi feito com a sobra das idéias do poema "Psicologia de um melancólico" publicado anteriormente. Eu explico: na inspiração do soneto, tive muitas idéias, mas, em virtude da métrica e da rima, não couberam todas em um único poema, então, aproveitei as ideias restantes para fazer outro poema. Em suma, aproveitei o que sobrou de uma obra, reciclei e fiz outra.

Estou no blog de minha amiga Emíliana,  As histórias de Emília,  no ping-pong, se os amigos quiserem saber mais sobre mim, deem uma passadinha lá. E também no site de minha cidade natal com um poema publicado www.independenciano.com.br.   Quero agradecer a todos pela visita. 

O que fazer, se já nasci indigente?
Acho que jamais serei nobre gente!
Sou explorado desde o início da vida;
Nunca para isso encontrarei uma saída.
Estou condenado a trabalhar
Para poder me sustentar.
Vivo neste sofrimento eterno
E ainda poderei ir para o averno.
Seria melhor ter sido um natimorto
(Ou simplesmente um aborto).
Assim sendo, não passaria por esta dor
Nem seria um mero pecador.
Não tendo nenhuma vivência,
Eu não estaria fadado à sobrevivência.
Praticamente não existo!
Apenas subsisto.