Desenho de Taciane, minha filha com seis anos
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Ironildo, gostou da celebração de Natal?
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Não tenho nada a reclamar, Natanael. Gostei mesmo, mas da festa em si e não do
motivo dela.
-Viu
como foi uma festa maravilhosa? Muito melhor que do ficar em casa solitário?
Então vamos festejar em minha casa o ano-novo, o Réveillon, uma palavra
francesa que, em português, significa vigília, despertar? Será melhor que a
natalina porque precede o dia da Confraternização Universal, em que todos se
cumprimentam trocando votos de paz, alegria e felicidade para o ano iminente.
-
Isso é mais um pretexto para a humanidade praticar o mercantilismo, nobre amigo
Natanael. Essa confraternização nada mais é, que uma hipocrisia exacerbada. Na
prática, não se vê nada disso. Muitos se excedem na balbúrdia que matam ou
morrem. Sem essa balela, ficariam vivos. Os seres humanos têm propensão a
crenças e superstições para resolveram suas questões existencialistas. Não vá
trabalhar e lutar pelos seus objetivos para ver se virão conforme os votos de seus
amigos e parentes! E todos, num comportamento de rebanho, acatam tudo como
sagrado sem questionamento algum. Seguem esse condicionamento alheado de si;
são capazes até entrarem na barca de Caronte sem questionarem, pois não têm
consciência desta condição.
-Ironildo,
cara, você continua com essa ideologia, apesar de nosso último diálogo? Tive a
impressão de que você teria cedido ao menos um pouco. Constato que seu hábito
de leitura mitológica e filosófica está lhe tornando uma pessoa indiferente com
quem o estima e com as coisas boas que a vida oferece. Não podemos encarar tudo
tão sério assim, senão, viver não terá mesmo graça. Temos que espairecer de
quando em vez e essa é a
oportunidade.
Natanael,
primeiramente, assevero-lhe que o tempo não existe: apenas há uma convenção
para que possamos marcar os fatos para tê-los como referência. Comemorar o que?
Celebra-se um feito, um ato heróico ou algo que nos causou grande alegria como
a vitória de um time, prêmio na loteria, o nascimento de um filho e quejando,
mas essa “virada de ano” não é motivo de júbilo. Não temos noção do que nos vai
acontecer durante este período. Poderemos até ir ao encontro com Tânatos. Se nos
ocorressem conforme o que nossos amigos e parentes nos desejam, nada de ruim
aconteceria conosco, portanto, esses votos são inócuos, fátuos. No ano tão
esperado e festejado, a vida permanece com a mesma rotina (às vezes pior):
continuamos com nossas dificuldades, doenças e problemas e etc.. Essa “passagem
de ano” é somente psíquica e de empírico mesmo somente no calendário. O tempo
consiste somente nos movimentos terrestres de translação (ano) e rotação (dia e
noite). Fora deste sistema, não há razão de ser. Nós somos o verdadeiro Cronos, o resto são
crendices primitivas. O tempo que me interessa é o clima, sobretudo, o chuvoso.
-Ironildo,
infelizmente, tenho que admitir que você, mais uma vez, tem razão em alguns
pontos, mas, para mim, o importante é estarmos reunidos com a família e com os
amigos em paz e harmonia nos descontraindo, celebrando a fraternidade e, enfim,
a vida. Você faz parte deste círculo, por isso faço questão que esteja presente
hoje nesta festividade.
-Já,
para mim, Natanael, o que mais importa é o feriado, no entanto, nem neste há.
Tenho que lhe falar essas coisas porque estão indigestas dentro de mim. Hei que
quebrar esse paradigma. Gostaria que as pessoas tivessem uma visão mais
subjetiva e real do mundo. Todavia, vou consigo fazer uma grande tributo a
Jano.
Feliz
ano-novo!
Bento
Sales
31/12/2011.