Métrica
poética
A poesia
contemporânea é caracterizada por poema de forma livre e verso branco, ou seja,
sem métrica fixa nem rima. No entanto, ainda há resistências quanto à forma
fixa. Alguns tipos de poemas (clássicos) têm metrificação constante, como a balada,
o rondó, a epopéia, o soneto, o haicai, o cordel em redondilhas e etc.. Esta
maneira de versificação era muito cultuada até o fim do século IX. Por isso, é
bom sabermos um pouco sobre a métrica destes gêneros poéticos.
O poema
é formado por estrofe. A estrofe é composta com versos e estes são feitos com
sílabas poéticas.
A medida
do verso é o metro. Metrificação é o estudo de metro. Escansão é a decomposição
do verso em sílaba poética, que é um pouco diferente da sílaba gramatical ao
ser contada. A sílaba poética é formada
conforme a musicalidade da língua quando pronunciamos os sons. A escansão do
verso, leva em consideração o som e não a sílaba em si ao declamarmos um poema.
Existem duas regras básicas para separarmos e contarmos (escansão) as sílabas
poéticas. A primeira é que devemos juntar todas as vogais átonas (sem acento)
em uma única sílaba, mesmo que pertençam à palavra seguinte e que tenham ponto
ou vírgulas entre elas. A segunda regra é bem simples: somente contaremos até a
sílaba tônica da última palavra do verso e preterimos as restantes. No entanto,
o poeta tem as famigeradas “licenças poéticas”, que pode, sim, separar as
vogais átonas para que seu verso dê na métrica, mas esse recurso não é
considerado erro. Exemplo:
|
Em razão
disso, a escansão pode causar um pouco de dificuldade, todavia tenho uma
técnica para dirimir as dúvidas. Para se ter certeza da métrica certa de um
poema, escolhemos um verso que não tenha vogal átona no fim de uma palavra e no
começo da outra. Exemplo:
|
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
"Que/ já/ nos/ o/lhos/ meus/ tão/ pu/ro /vis/te”.
Para praticarmos,
vou escolher um soneto do grande mestre Camões. Este soneto tem uma história
interessante. Dizem os biógrafos que, certa vez, Camões seguia com sua namorada
chinesa Dinamene, de Macau, na China, para Índia, por volta de 1560 e quando
chegara à foz do rio Mekong, no Camboja, sofreu naufrágio. Quando o bardo olhou
para um lado viu sua amada se afogando e do outro, os manuscritos de “Os
Lusíadas”, ficou no dilema de quem salvar. Adivinhem por quem ele optou! “Os
Lusíadas”, é claro, mas dedicou este maravilhoso soneto à amada Dinamene.
Um
soneto tem 14 versos, distribuídos em dois quartetos (estrofes de quatro
versos) e dois tercetos (estrofes de três versos) com rima na décima sílaba
poética, ou seja, é um decassílabo. Vamos lá, pois se aprende é praticando e
vamos praticar muito:
Alma
minha gentil, que te partiste
Tão cedo
desta vida, descontente,
Repousa
lá no Céu eternamente
E viva
eu cá na terra sempre triste.
Se lá no
assento etéreo, onde subiste,
Memória
desta vida se consente,
Não te
esqueças daquele amor ardente
Que já
nos olhos meus tão puro viste.
E se
vires que pode merecer-te
Alguma
cousa a dor que me ficou
Da
mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a
Deus, que teus anos encurtou,
Que tão
cedo de cá me leve a ver-te,
Quão
cedo de meus olhos te levou.
1 2
3 4 5 6
7 8 9 10
Al/ma/
min/ha/ gen/til,/ que/ te/ par/tis/te
Tão/ ce/do/
des/ta/ vi/da,/ des/con/ten/te,
1 2 3 4 5 6
7 8 9 10
Re/pou/sa/
lá/ no/ Céu/ e/ter/na/men/te
1 2
3 4 5 6 7 8 9 10
E/ vi/va
eu/ cá/ na/ ter/ra/ sem/pre/ tris/te.
Se/ lá/
no as/sen/to e/té/reo, on/de/ su/bis/te,
1 2
3 4 5 6 7 8 9 10
Me/mó/ria/
des/ta/ vi/da/ se/ con/sen/te,
|
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Não/ te es/que/ças/
da/que/le a/mor/ ar/den/te
|
1 2
3 4 5 6 7 8 9 10
Que/ já/
nos/ o/lhos/ meus/ tão/ pu/ro /vis/te.
E/ se/
vi/res/ que/ po/de/ me/re/cer/-te
1 2 3 4 5 6
7 8 9 10
Al/gu/ma/
cou/sa a/ dor/ que/ me/ fi/cou/
1 2
3 4 5 6 7 8 9 10
Da/ má/goa,/
sem/ re/mé/dio,/ de/ per/der/-te,
Ro/ga a/
Deus,/ que/ teus/ a/nos/ em/cur/tou,/
|
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Que/
tão/ ce/do/ de/ cá/ me/ le/ve a/ ver/-te,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Quão/ ce/do/
de/ meus/ o/lhos/ te/ Le/vou./
Amigo,
preste atenção,
Naquilo
que vou falar:
Tenha
bastante cuidado
Quando
assim for trabalhar
Para
continuar saudável
E nunca
se acidentar.
(Bento
Sales, Cordel da segurança do trabalho).
1 2 3
4 5 6 7
A/mi/go,/
pres/te a/tem/ção,/
1 2 3 4 5 6 7
Na/qui/lo/
que/ vou/ fa/lar:/
|
1 2 3 4 5 6 7
Te/nha/
bas/tan/te/ cui/da/do/
|
1 2 3 4 5 6 7
Quan/do as/sim/ for/ tra/ba/lhar
|
1 2 3 4 5 6 7
Pa/ra/ con/ti/nuar/
sau/dá/vel
|
E/ nun/ca/ se a/ci/ den/tar.
o sapo,
num salto
cresce ao lume do crepúsculo
buscando a manhã
cresce ao lume do crepúsculo
buscando a manhã
(Zemaria
Pinto)
1 2 3 4 5
o/ as/po,/ num/ sal/to
|
cres/ce ao/ lu/me/ do/ cre/pús/culo
|
bus/can/do
a/ ma/nhã
Chuva de verão
Acaba, às vezes, com
Festa de São João.
(Bento Sales)
1 2 3 4 5
Chu/va/ de/ ve/rão
|
1 2 *3 4 5 6 7
A/ca/ba,
às/ vê/zes,/ com/ a
|
Fes/ta/ de/ São/ João.
*Quando houver acento grave, ou
seja, uma crase, a vogal é considerada átona, por isso temos que contá-la
associada com a vogal anterior.
Chuva no trajeto
Limpa minha rua levando
O humano dejeto.
(Bento Sales)
Chu/va/ no/tra/je/to |
|
1 2 3 4 5 6 7
Lim/pa/ mi/nha/ rua/ le/van/do
* 1 2 3 4 5
O hu/ma/no/ de/je/to.
*Como o “H” é mudo, ou seja, sem
som, então juntamos em uma única silaba porque o “u” e “o” são átonos.
Saltando n'água, a nado se acolhiam.
(Camões, Os Lusíadas)
Sal/tan/do/ n'á/gua, a /na/do/ se a/co/lhi/am
*Quando houver elisão, contamos
como uma única sílaba. Elisão é a justaposição de duas palavras em que um
fonema é suprimido, indicado pelo apóstrofo ( ‘ ). Exemplos: mãe-d'água,
Vozes d'África, Sant’ana.
Nota: Se não houvesse elisão,
teríamos que contar as sílabas separadamente por termos um “a” átono e outro
tônico, portanto, alteraria a métrica do verso:
|
Bibliografia:
Dicionário
Houais;
Teoria
da Literatura: Elementos Básicos de Antonio Paulo Graça;
O
TEXTONU de Zemaria Pinto;
Wikipedia.org.
Dedico
este texto ao amigo Jim Carbonera do blog
Palavra Vadia
e do site www.jimcarbonera.com pelo seu interesse em entender a métrica
poética.