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Sei que o tempo aqui, na Blogosfera é exíguo, mas minha intenção ao publicar este texto é auxiliar algum estudante que necessite das informações contidas nele, no entanto, ninguém é obrigado a lê-lo se não lhe interessar em razão de sua longa extensão. Fi-lo como trabalho no curso de graduação em Letras.
Quero comunicar aos amigos leitores do Folhas Soltas que, em virtude de está sobrecarregado de trabalho no princípio do ano, necessitarei dar uma pausa nas postagens, contudo, quando as pendências estiverem em dia, retornarei a publicar novamente. Asseguro-lhes de que retribuirei todos comentários feitos aqui. Agradeço a compreensão de todos.
O Asno de ouro (ou metamorfose) de Lúcio
Apuleio - Análise
A construção do enredo,
desenvolvimento dos personagens, maneira como o autor estrutura as várias
microfábulas do romance e linguagem.
Apuleio
divide o romance em livros e estes em versículos, típicos da literatura antiga.
O enredo está estruturado numa fábula principal auxiliada por várias outras
narrativas menores que servem de parábolas para entender a história máxima. Sua estrutura é muito semelha à da Bíblia.
Esta
obra é uma odisseia protagonizada por Lúcio, que sai de uma cidade Himeto, de
Ifireu de Tenaro, em Esparta e parte para Tessália, cidade onde acontecem fatos
fantásticos, acompanhado por Aristômenes e outro amigo. Já no trajeto, enquanto
descasam os animais, para também a história para Aristômenes narrar a estória
que se sucedeu recentemente com o companheiro Sócrates. Após a narração, chegam
a Hípata, onde os amigos seguiram outro rumo. Lúcio foi à casa de Milão para
lhe entregar uma carta de Demeias de Corinto. Lá ele é apresentando para Panfídia,
esposa de anfitrião e a escrava Fótis por quem ficou fascinado. Ela e a amiga
Birrena admoestaram-lhe dos poderes malignos de sua patroa. Decorrido alguns
dias, as anfitriãs pregaram-no uma peça em honra do deus Riso e foi aclamado
por todos. Quando mantinha mais um encontro com a fâmula Fótis e, convidado por
ela assistiu, furtivamente, ao espetáculo extraordinário, que Panfídia se
metamorfoseava numa coruja. Lúcio ficou eufórico com aquilo e pediu para Fótis
pegar essa porção, pois deseja também ser transformado nesta ave cabalística.
Porém, a semelhança das caixas de unguento a induziu a um erro: pegou a caixa
com óleo para transformar gente em asno. Então, quando Lúcio esperava criar
asas, cria rabo e cascos de asno. Estava transformado em burro de carga, mas
conservava certa inteligência humana. Ficou apavorado, todavia, Fótis lhe
contemporizou dizendo que, para reverter essa mudança e readquirir a forma
humana, bastaria comer algumas pétalas de rosas. Como isso só era possível ao
amanhecer, foi levado à estrebaria junto com seu cavalo e um burro pertencente
a Milão. Neste ínterim, foram surpreendidos pelos ladrões das montanhas que
matam o dono da casa e levam tudo que tem valor, como joias e pratarias nos
lombos dos três animais. Após dias de caminhada passando o asno por várias
dificuldades por causa de tanto peso nas costas e dos maus-tratos que lhe
impingiram, chegaram, enfim, a morada dos bandoleiros – uma caverna numa
montanha escarpada.
O
Asno pode observar e compreender tudo o que dizem e fazem como se ainda fosse
gente. Depois que descarregaram o butim, chegam outros sequazes e foram
repartir as riquezas entre eles e lamentar a perda dos companheiros durante as
empreitadas. A fábula principal dá vez a mais uma micro fábula narrada agora
pelos bandoleiros e não pelo nosso herói: é o trágico fim do chefe Lâmaco, que
preferiu suicidar-se para não ser apanhado pelos perseguidores; narram o triste
fim e Alcimo que foi defenestrado de um quarto quando tentou roubar os
pertences de uma velhinha; a dramática morte de Trasileão que, disfarçado de
urso, como estratagema para entrar na residência do riquíssimo Demócares, sendo
revelado e digladiado pelos seus escravos e população diante dos olhos dos seus
partidários larápios. Em seguida, retorna-se à cena maior com burro anunciando
a chegada de uma moça raptada que é consolada por uma velha (encarregada de
zelar pelo bem-estar e pela vida de toda aquela súcia) bêbada que, para mitigar
sua agonia, entra com mais um conto avulso. Trata-se da história de Psiquê que
é filha mais jovem das três do rei e da rainha de certa idade. Ela tem beleza
tão rara, tão brilhante, que é comparada à própria deusa Vênus, e isso causa
inveja às suas irmãs. Como nenhum príncipe é digno dela para desposá-la, é
largada num rochedo, vestida de noiva à recomendação de um oráculo (a deusa
Vênus recomenda ao seu filho Cupido, que Psiquê fosse “possuída de ardente amor
pelo derradeiro dos homens, homem que a Fortuna tenha amaldiçoado em sua
classe, seu patrimônio, sua própria pessoa”...). Porém, Cupido, o deus do amor,
apaixona-se por ela e a desposa sem que a mesma o visse. Suas irmãs foram
visitá-la e ficaram maravilhadas com todo aparato do palácio; sendo
transportadas até lá pelo Zéfiro. Cobiçosas, começam a especular contra Psiquê sobre
o marido. Angustiada como o anonimato do esposo, pede-lhes conselho e ajuda, o
que elas executam prontamente. Quando Psiquê foi cometer o mariticídio, viu sua
beleza, era o deus Cupido em pessoa que dormia com ela; mesma arrependida de tudo,
feriu-o acidentalmente e fugiu para o templo materno. Então ela foi,
posteriormente, vingar-se das pérfidas irmãs e vai procurar seu marido divino.
Mas Vênus, quando sabe de tudo, repreende o filho e castiga Psiquê em várias
provocações para poder se casar com o Deus do Amor. Ela passa por tudo com
auxílio de vários seres e é aceita no Olimpo por Júpiter que lhe dar a
imortalidade e se casa com Cupido.
O
asno (Lúcio) entra novamente em cena contando a insurreição da moça tentando
fugir e ele a ajuda escoiceando a velha e foge com ela. Quando encontram no
percurso os ladrões que os levam de volta à montanha. Deliberam sobre a
retaliação que fariam contra o asno e a moça no dia seguinte. Inopinadamente,
assomou um jovem corpulento, maltrapilho, que se passava por bandido, logo
aclamado como novo chefe da súcia, sugerindo a pena dos dois. Mas nada mais era
o Tlepólemo, marido de Caridade, a moça refém. Este propôs grande festa com
bebedeira e, quando todos estavam inconscientes, ele os amarrou e fugiu com a
esposa montada no burro. Ao chegar à sua casa cidade, ele e o burro foram
considerados por todos heróis. Daí em diante, o asno ficou aos cuidados do
zelador de cavalos que passa a maltratá-lo cruelmente, tanto que deixa um urso devorar
um menino, em consequência foi condenado à castração. À madrugada, chegou um escravo
de Caridade que trazia mais uma história, que era sobre a desgraça que ocorreu
com seus patrões: havia numa cidade vizinha um moço de família nobre, porém
libertino, sedutor de moças, gozador e ébrio. Chamava-se Trasilo e há muito
desejava Caridade e não se conformava com sua perda para Tlepólemo. Então,
decidiu eliminá-lo. Certo dia, foram caçar; Tlepólemo foi atacado por um javali
furioso e, golpeado por Trasilo, pereceu. Caridade desesperou-se e o assassino
cinicamente ficou pesaroso também; logo lhe propôs casamento. Em sonho, foi
avisada por seu marido de tudo que aconteceu. Então, ela planejou a vingança.
Combinou um encontro com Trasilo em sua casa, dando-lhe sonífero e depois lhe
vazou os olhos, em seguida, sai correndo com a espada de Tlepólemo, indo direto
ao túmulo do marido. O povo a persegue, sendo exortada, conta a todos o
acontecido e suicida-se. Trasilo ao retornar consciência, desespera-se e
“resolveu acabar, á falta de alimento, uma vida condenada por sua própria
sentença”.
O
Burro retorna à sua narrativa. O tratador de cavalo resolve fugir levando
consigo o burro. Passaram dias viajando sofrendo todo tipo de sofrimento –
roubo, ataque canino, etc. O asno passou por vários donos. Cada qual o mais
facínora; passou com eles peripécias só existentes na margem do Estige.
Diversas vezes, ameaçado-o de morte, castração e até comer um pedaço de sua
própria perna. Sucederam várias narrativas com seus donos, até que foi vendido a
um bom homem chamado Tiaso. Este percebe o dom do “asno” e ensina-lhe truques fáceis
para serem apresentados num circo, onde uma matrona apaixonou-se por ele e até
pagou ao dono uma noite de amor com o asno, como uma verdadeira Pasifae. Depois
condenaram uma criminosa ao conúbio com o burro em praça pública. Para escapar
de uma condenação, o asno se desprendeu da corda que e foi ao mar suplicar aos
deuses uma solução para sua agonia, sofrimento. Foi ouvido pela deusa rainha Ísis,
que lhe recomendou ir a uma festa em seu louvor que se realizaria no dia
seguinte: “Lá, o sacerdote na procissão, levará na mão direita uma coroa de
rosas amarradas no seu sistro, então não hesites: atravessa a multidão a passo
decidido, junta-te ao cortejo (...) quando estiveres bem perto, como que para
beijar a mão do sacerdote, colhe as rosas e estará curado”, disse a Deusa. O
burro assim o fez. Ao chegar à festa, viu logo o sacerdote que, orientado por
Ísis, estendeu-lhe a mão contendo a coroa de flores à altura da boca do asno
que a devorou imediatamente. Num átimo, foi-se o pelo esquálido o couro espesso
amacio, o ventre obeso abaixa-se, os dedos surgiram da ponta dos cascos, as
patas viraram mãos, o pescoço e as orelhas encolheram, a cabeça e rosto
arredondaram-se, a cauda desapareceu e tudo ficou normal a um homem. O povo se
espantou, alguns fiéis adoraram o milagre da Deusa. Então, o sacerdote deu-lhe
roupa e Lúcio seguiu o cotejo a Ísis até o fim. Doravante, passou a seguir o
culto à Deusa e seus preceitos dedicando seus serviços e votos a ela o resto de
sua vida como modo de agradecimento. Depois retornou a sua cidade, onde foi
confraternizado pelos amigos e escravos e se tornou advogado.
A
linguagem de Apuleio
A
obra “O Asno de ouro” é um conto de fadas rico, fantástico, humorístico,
erótico, e, sobretudo poético. O autor faz “um exercício acrobático” para
manter a linguagem acessível em todos esses gêneros. O narrador é em primeira
pessoa intradiegético; faz parte da história principal e passa a narrativa para
os personagens secundários nas outras estórias adjacentes.
Apuleio
mantém diálogo constante com o leitor como se verifica no livro I, versículo I,
pg. 15: “Atenção leitor: ela (a fábula) vai-te alegrar”; feito em seguida no
Livro XI, versículo XXIII, pg. 192:...”Talvez, estudioso leitor, te perguntes
com alguma ansiedade o que foi dito, o que foi feito, em seguida”. Esse diálogo
lembra muito nosso Machado de Assis em “Memórias Póstuma de Brás Cubas”, onde
há interação linguística entre o narrador e o leitor. Já essa linguagem simples
(no sentido de mediar o clássico e o popular) nos faz comparar com “Vidas
Secas” de Graciliano Ramos, que se faz mister lê-lo com léxico ao lado o tempo
todo, não em razão de preciosismo, porém há coloquialismo e alguns ditos
populares que, apesar de enriquecem darem colorido à linguagem, não se tem
conhecimento de tudo.
O
autor recorre muito a esses recursos linguísticos para enfatizar e dar
verossimilhança à circunstância dos diálogos dos personagens. Expressões e
trocadilhos como: tudo e tudo, face a face, tanto e tanto, quieto em
inquietude, fosse que fosse, hora por hora, cara a cara, mais e mais, pouco a
pouco, etc. Faz uso de máximas e ditos populares para dar à obra um aspecto de
sabedoria popular aproximando sua linguagem com a do leitor, como a seguir no
exemplo a seguir:
...
“Mas, saí com o pé esquerdo” (Livro I, vers. V. pg. 17); O que é para os
membros a alegria de uns tecidos de cores vivas é para a cabeça esse enfeite
natural” (Livro II, vers. VIII. Pg. 31). “Feliz a mulher que encontra no amante
tanto sangue-frio e presença de espírito” (Livro X, vers. XXII, pg. 148). “E o
que ninguém sabe não existe”. (Livro X, vers. III pg. 161). “o deus que dos
grandes deuses é o melhor, dos melhores o mais augusto dos mais augustos o
maior, dos maiores o mestre soberano”. (Livro XI, vers. XXX, pg. 196).
E
assim, Lúcio Apuleio mantém o equilíbrio da linguagem mesmo quando narra
episódios eróticos, humorísticos e irônicos. O autor não é preciosista, mas
também não faz uso do calão.
Bibliografia: O Asno de
ouro, de Lúcio Apuleio, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e Dicionário de
Termos Literários, de Massaud Moisés.
Haicai (sugestão de minha amiga Luciene Rroques):
Vivamos a vida,
Pois ainda não se provou
Que exista a ultravida.