Pintura de Taciane, minha filha com sete anos, então com cinco.

Depois
de economizar durante
quinze anos, o marido
conseguiu comprar uma casa
de seu intuito:
boa localidade, amplo
terreno, pátio,
precisando de pouca reforma. O casal morou cinco
anos no alto
da residência de sua
irmã, onde tinha,
ficticiamente, parte, pois
ajudou a comprá-la juntamente com seus dois irmãos. Havia, por parte da esposa, um certo desconforto
porque toda
mudança ou
reforma teria que passar
pela aprovação
da cunhada. Ela
vivia pressionando o marido para saírem de lá porque já
estava aborrecida com
essa situação, mas
ele sempre
foi um homem
prático e arrazoado: pedia-lhe paciência para que juntasse mais
dinheiro para comprar uma casa melhor. Ela
aceitava por um
tempo, todavia
voltava insistir. Deliberaram procurar
a casa para ter ideia de preço. Quando
gostava de uma, o valor era muito além do que
tinham e ainda precisava de reforma
ampla. Ficaram nisso durante dois anos. Enfim, encontraram a casa
dos seus sonhos.
Quando a esposa
olhou a documentação, viu uma certidão de óbito
da proprietária predecessora.
Incontinentimente, ela ficou preocupada
e, sobretudo, arrependida de ter
comprado a casa. Pediu para
desfazer o negócio,
mas ao ler o contrato, o marido viu que
continha uma cláusula referente ao arrependimento,
só que
o arrependido teria que pagar
uma multa de trinta por
cento, o que
tornaria inviável a aquisição
de outra iminentemente.
Pediu, então, para
ele investigar
se ela falecera na casa,
uma vez que
na certidão de óbito
dizia que a causa
mortis foi “grande queimado”. O marido inquiriu o corretor: ele
disse que não
os conhecia, mas achava que isso ocorrera
no centro da cidade.
Porém, ela não
acreditou. Durante a reforma em duas semanas,
um dos trabalhadores
subiu no muro e viu o fundo da casa
do vizinho repleto
de santo. Quando
a esposa foi lá,
ele mostrou para
ela. Foi a gota-d’água para
ela ficar mais preocupada, dizendo que
não moraria próximo
de um macumbeiro,
que isso
traria azar, mas
não era
nada disso, apenas
um vizinho que colecionava santos. Já durante a mudança, passaram umas moças próximo
ao caminhão de mudança
e um dos ajudantes
mexeu com elas,
uma indagou se havia comprado a casa, ele afirmou que
sim, então
ela falou para
ter cuidado
porque lá
morreram uma criança e a mãe queimadas.
O rapaz logo
alertou o marido para
sua esposa
não saber, já que ela estava muito
perturbada com essa história.
Passaram a noite de sábado
e o domingo, mas
não ouviram nem
viram nada de incomum.
Na segunda-feira, foi uma equipe
representante de uma empresa metalúrgica terminar um serviço de grade pendente e, como
morava lá perto,
sabia do ocorrido; contaram para ela com requinte de fofoca.
Ela ficou em
pânico. Queria sair
da casa rapidamente, mas o marido
pediu para ela
não ligar para isso e que era só estória de desocupado ou então de invejoso.
Ela suplicou para
sair de lá, porém, ele
gostou muito da casa
e, mesmo tendo prometido para
ela que
sairia para não
enlouquecer, decidira que
não a venderia nem
sairia de lá. A filha
do casal, de um
ano de idade,
ficou à vontade na casa,
como se tivesse nascido lá, talvez por não entender a situação. Ela corria de um
lado para outro, gritava, jogava bola,
era a verdadeira dona
da casa. Não
ligava para o acontecido. Isso
lhe deu firmeza
em sua
decisão de permanecer
em seu novo recinto, pois também
tinha esperança
de ela superar
essa história toda
e curtir seu novo lar. Era uma residência
fascinante. Todo
mundo ficava apaixonado por ela (exceto sua esposa).
A
história consiste no seguinte: no reveillon de dois
mil e cinco,
o casal chegou de uma festa, de madrugada
(provavelmente bêbado), com um casal de adolescente
do primeiro casamento do marido e uma menina
de três anos,
filha da esposa
do casamento anterior.
Ao dormirem, os adolescentes deixaram
ligado um ventilador
ou computador
ou um
quebra-luz, segundo
várias fontes contraditórias, então um desses
utensílios, incendiou-se, propagando para o forro de madeira e para outros objetos domésticos e demais
compartimentos. O esposo,
segundo algumas fontes,
como dormia em
quarto próximo da porta de saída,
logo saiu com
a mulher, mas
ela viu que
sua filhinha ainda
não havia saído,
voltou imediatamente para
socorrê-la; os adolescentes estavam presos na suíte,
pois o teto era de concreto.
Neste ínterim, a vizinhança
chamara corpo de bombeiro, mas a casa
ardia em chamas
e fumaça. A mãe
conseguiu sair, mesmo
muito queimada,
com a filha
com poucas queimaduras, mas intoxicada com
a fumaça e foram levadas ao pronto-socorro pelos
amigos, enquanto
os bombeiros combatiam o fogo e resgatavam os adolescentes
por um
orifício que
fizeram na lateral da casa. A criança
falecera no caminho do hospital
por causa do dióxido de carbono inspirado,
e a mãe, horas
depois, no hospital,
em conseqüência
das queimaduras de terceiro grau pelo corpo todo.
A
esposa temia por
essas pessoas terem morrido dentro da casa,
porém ela
investigou com os vizinhos
para saber estritamente o que
ocorrera e constatou que não morreram lá.
Ficou um tanto
aliviada, todavia, ainda
muito chocada e nervosa
com tudo
isso. Era
uma mulher repleta
de fobia, superstição,
dogma e crendice,
como nunca
se viu. Então ele
teve ideia de chamar
um padre
ou pastor para benzer a casa. Ela
aceitou. Um obreiro
veio pregar para ela e ungiu a casa com óleo e
disse que teriam que
fazer um voto e ofertar
à igreja “Deus
é Amor” e assistir
a um culto.
Assim eles
fizeram. Mas ela
nunca superou totalmente
esse caso. Queixava-se de que a casa era malfalada. Ele
dizia que não,
que as pessoas
que são
maldosas e por isso
falam mal das coisas
e dos outros. Ele
falava que esse
enredo não tinha nada a ver com eles, uma vez que a história
deles na casa começou quando se mudaram. O que
passou com outra
família não
lhes interessava. Passou-se um ano e ela, de quando em vez, tinha recaída porque algumas crianças
vizinhas vinham brincar com
sua filha
e relembravam o ocorrido. Passou-se um tempo, o casal
conversando sobre a casa,
o fato passado.
Ela perguntou para
ele se tinha
visto ou
ouvido algo
estranho, anormal,
assustador, sobrenatural
na casa. Ele
disse que sim.
Ela quis saber
o que era
porque isso
lhe motivaria a sair
de lá, mas
ele respondeu que
o que lhe
assustara foi a fatura de água que deu
duzentos e dezessete reais, uma
verdadeira assombração.
Esse conto é uma reedição.
Bento Sales