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sábado, 31 de dezembro de 2011

Conto de ano-novo

Desenho de Taciane, minha filha com seis anos

- Ironildo, gostou da celebração de Natal?
- Não tenho nada a reclamar, Natanael. Gostei mesmo, mas da festa em si e não do motivo dela.
-Viu como foi uma festa maravilhosa? Muito melhor que do ficar em casa solitário? Então vamos festejar em minha casa o ano-novo, o Réveillon, uma palavra francesa que, em português, significa vigília, despertar? Será melhor que a natalina porque precede o dia da Confraternização Universal, em que todos se cumprimentam trocando votos de paz, alegria e felicidade para o ano iminente.
- Isso é mais um pretexto para a humanidade praticar o mercantilismo, nobre amigo Natanael. Essa confraternização nada mais é, que uma hipocrisia exacerbada. Na prática, não se vê nada disso. Muitos se excedem na balbúrdia que matam ou morrem. Sem essa balela, ficariam vivos. Os seres humanos têm propensão a crenças e superstições para resolveram suas questões existencialistas. Não vá trabalhar e lutar pelos seus objetivos para ver se virão conforme os votos de seus amigos e parentes! E todos, num comportamento de rebanho, acatam tudo como sagrado sem questionamento algum. Seguem esse condicionamento alheado de si; são capazes até entrarem na barca de Caronte sem questionarem, pois não têm consciência desta condição.
-Ironildo, cara, você continua com essa ideologia, apesar de nosso último diálogo? Tive a impressão de que você teria cedido ao menos um pouco. Constato que seu hábito de leitura mitológica e filosófica está lhe tornando uma pessoa indiferente com quem o estima e com as coisas boas que a vida oferece. Não podemos encarar tudo tão sério assim, senão, viver não terá mesmo graça. Temos que espairecer de quando em vez          e essa é a oportunidade.
Natanael, primeiramente, assevero-lhe que o tempo não existe: apenas há uma convenção para que possamos marcar os fatos para tê-los como referência. Comemorar o que? Celebra-se um feito, um ato heróico ou algo que nos causou grande alegria como a vitória de um time, prêmio na loteria, o nascimento de um filho e quejando, mas essa “virada de ano” não é motivo de júbilo. Não temos noção do que nos vai acontecer durante este período. Poderemos até ir ao encontro com Tânatos. Se nos ocorressem conforme o que nossos amigos e parentes nos desejam, nada de ruim aconteceria conosco, portanto, esses votos são inócuos, fátuos. No ano tão esperado e festejado, a vida permanece com a mesma rotina (às vezes pior): continuamos com nossas dificuldades, doenças e problemas e etc.. Essa “passagem de ano” é somente psíquica e de empírico mesmo somente no calendário. O tempo consiste somente nos movimentos terrestres de translação (ano) e rotação (dia e noite). Fora deste sistema, não há razão de ser.  Nós somos o verdadeiro Cronos, o resto são crendices primitivas. O tempo que me interessa é o clima, sobretudo, o chuvoso.       
-Ironildo, infelizmente, tenho que admitir que você, mais uma vez, tem razão em alguns pontos, mas, para mim, o importante é estarmos reunidos com a família e com os amigos em paz e harmonia nos descontraindo, celebrando a fraternidade e, enfim, a vida. Você faz parte deste círculo, por isso faço questão que esteja presente hoje nesta festividade.
-Já, para mim, Natanael, o que mais importa é o feriado, no entanto, nem neste há. Tenho que lhe falar essas coisas porque estão indigestas dentro de mim. Hei que quebrar esse paradigma. Gostaria que as pessoas tivessem uma visão mais subjetiva e real do mundo. Todavia, vou consigo fazer uma grande tributo a Jano.
Feliz ano-novo!
Bento Sales
31/12/2011.



sábado, 24 de dezembro de 2011

Conto de Natal

Desenhos de Taciane, minha filha com seis anos.

          - Ironildo, você vai festejar o Natal?
- Não. Claro que não, Natanael. Você sabe muito bem que detesto isso. Deixo tudo com minha esposa. Se for lá em casa, participarei porque não há outro jeito, do contrário, não irei. Ficarei em casa lendo.
- Rapaz, você não muda mesmo, não é? No Natal, as pessoas se confraternizam, sensibilizam-se com os carentes, manifestam e prestam solidariedade e ajuda aos necessitados. Todos se cumprimentam e mandam mensagem de fé, esperança, motivação e votos positivos. As crianças participam da festa de aniversário do menino Jesus. Sonham e desejam receber presentes do bom velhinho, Papel Noel. É realmente um momento mágico, em que esquecemos tudo de ruim que nos ocorreu no ano corrente para termos um espírito renovado com expectativas de um ano alvissareiro. Não me diga que nunca escreveu para o Papai Noel quando era criança!
- Não mesmo. Nasci e cresci num lugarejo numa cidade do interior do sertão nordestino e lá não tinha nada disso. Somente vim conhecer essa história natalina na adolescência. Até então, nunca havia ido a nenhum festejo. Meus brinquedos consistiam em ossos bovinos, que eu fingia que eram meu rebanho. Fazia carrinho de latas de óleo de soja com as rodinhas feitas com borracha de sandália. Nunca ganhei um presente feito industrialmente. Todo seu argumento é somente um anfiguri, lugar-comum.
-Ironildo, mas agora você é um homem adulto, bem sucedido profissionalmente e, sobretudo, muito inteligente, pois poderia muito bem começar a dar valor a todas essas coisas boas que não teve não infância. Preencher essa lacuna.
- Não adianta, Natanael, porque sou ateu e agnóstico. Acho que tudo isso é apenas comércio, oriundo de uma crença que aprisiona e aliena as pessoas. Segundo os religiosos, Jesus nem nasceu em dezembro, mas no fim de setembro. E outra coisa: não existe “espírito natalino”, não. As pessoas ruins continuam como são (talvez fiquem piores) e as boas, também. Observe que o relacionamento humano piora nesse período de natal: acontecem mais roubos, crimes diversos e até o trânsito piora chegando a morrer mais pessoas que no Carnaval. Não percebo mudança espiritual, carnal nem intelectual em ninguém. Há muita ilusão, hipocrisia, demagogia e falsas promessas até para si próprio. Muitos ficam até chateados porque deram muitos presentes, mas não receberam nada. Isso não é solidariedade nem amizade, mas, sim, um suborno. Esse negócio todo é uma crendice, uma lenda urbana.  E tem mais: muitos fazem um tremendo festejo, convidam uma infinidade de pessoas, mas não convidam o protagonista, que é o aniversariante; muitas vezes, nem tocam em seu nome. Dão mais importância a esse tal Papai Noel que a Jesus.
- Meu amigo, Ironildo, percebo que essas leituras suas de filosofia e mitologia estão lhe deixando com o coração empedernido, desumano. Em algumas coisas, você tem um pouco de razão, todavia, seja lá por que motivo for, precisamos nos relacionar bem com o próximo, somos seres sociais. Não acredito que seja melhor ficar em casa lendo enquanto a família e todos os amigos estão se confraternizando e comemorando o nascimento de nosso Salvador, numa festa regada com ótimos acepipes e bebida de todo gosto. Nesta vida, só uma certeza é absoluta: somos finitos. Não há uma receita melhor para nos fazer felizes que a paz e a harmonia com Deus, com nós mesmos e com o próximo. Essa confraternização não é tudo que desejamos, mas é um começo.  Deixe dessas bobagens e vamos celebrar o Natal em minha casa com sua família.
- Obrigado, amigo Natanael, pelo convite e pela paciência comigo! Você me demoveu. Vamos fazer libação a Dionísio!  

Desejo a todos visitantes do Literatura (folhas soltas) um feliz Natal.
Bento Sales
25/12/2011.





domingo, 18 de dezembro de 2011

Os riscos de morte

Desenho de Taciane, minha filha com seis anos. 

Vivo sob ameaça constante:
Não há trégua nenhum instante.                                                     
Meus antígenos lutam contra bactéria,                                            
Fungos, vírus para manter viva minha matéria.
Há riscos em toda parte onde vivo:
Sejam animais ou pessoas com quem convivo.
Estou em perigo no trânsito, (acidente de automóvel),
Até em meu lar (acidente doméstico, ruína do imóvel).
Em qualquer momento,
Pode me fazer mal um alimento.
Posso sofrer um desmaio
Ou ser atingido por um raio.
Onde eu estiver, a ameaça estará lá
(Como uma bala perdida pode me achar).
Posso ter um problema
E entrar num dilema
E, sem saída,
Torna-me um suicida.
Sem perceber, quiçá vá profanar
E, então, Deus me matar.
Crendo ou cético,
Estou sujeito a erro médico.
Há sempre o risco de aluvião,
Outrossim, acidente de avião.
Pode ocorrer com minhas células autodestruição
Ou me tornar anoréxico e arrefecer de inanição.
É periclitante um efeito metabólico
Como também um atentado diabólico.
Mesmo não sendo atleta,
Posso sofrer acidente de bicicleta.
Minha pressão pode tornar-se alta ou fraca
Ou ser morto por faca.
Não quero agora ser tétrico,
Mas me há sempre risco de choque elétrico.
Não se pode olvidar nenhum cibalho
Como acidente de trabalho.
Se não for aplicado no promédio,
Pode me fazer mal  remédio.
Sempre ocorre catástrofe natural.
E na humanidade, colapso fatal.
Como a vida é frágil!
Posso sofrer um naufrágio.
Tânatos sempre me assedia;
Eu morro um pouco a cada dia.
Tudo isso é risco carnal
E ainda há riscos da vida espiritual,
Eterna, mental e moral.
Com tudo isso, estou farto,
Mas nem posso porque senão sofro um infarto.


Este poema é uma reedição. 


domingo, 11 de dezembro de 2011

Os meninos lá de casa

Desenho de Taciane, minha filha de seis anos.

Eu tenho cordelistas na família tanto por parte materna quanto paterna. Gosto muito de cordel. Talvez isso se explique por ter sido o primeiro gênero que comecei a escrever, ainda na fase escolar. Meu blog é “Literatura (folhas soltas) em homenagem à Literatura de Cordel como é escrita em espanhol “hojas sueltas”. Há algum tempo, meu primo materno Francion da Silva,  mandou-me uns exemplares de cordéis de sua autoria. Além de cordelista, ele é também repentista. A diferença básica entre o Cordel e o Repente é a seguinte: o Repente é criado e cantado, geralmente com viola, no momento; é puro improviso; já o Cordel é escrito para depois ser declamado. Às vezes, pode até ser cantado também, mas a letra já está escrita e definida como uma música, portanto, não há improviso. Meu primo, Francion da Silva, fez vários cordéis, músicas e até poemas com apenas o primário. Após os trinta anos de idade, é que voltou a estudar chegando a concluir o nível médio. Hoje ele é cantor e radialista em sua cidade natal e vive exclusivamente de sua profissão. Em homenagem a ele, resolvi publicar esse seu cordel muito divertido e também para os amigos terem idéia de seu talento.


Os meninos lá de casa


Eu nasci numa cama de capim;
Minha mãe não ficou muito contente.
Tinha vinte nascidos em minha frente,
Ainda nasceram mais dez depois mim:
O José, o Francisco, o Joaquim,
O Antônio, o Adão, o Agenor,
O Anísio, o Ambrósio, o Antenor,
O Ricardo, o Roberto e o Rufino.
Lá em casa nasceu tanto menino
Que só conta quem tem computador.

Meu avô era um velho tão querido;
Minha avó, uma santa, uma rainha.
Meu avô não usava camisinha;
Minha avó não tomava comprimido,
Mas família tão boa assim duvido
Que exista daqui para o Equador.
Não tomava remédio de doutor,
Mas cumpria os caprichos do destino.
Lá em casa nasceu tanto menino
Que só conta quem tem computador.

Eu nasci no sertão do Ceará,
Me criei no sertão do Piauí,
Me criei com pipoca e pequi,
Com feijão, farofa e munguzá.
Bebi leite de cabra até lascar,
Dei carreira em cavalo corredor.
Hoje em dia eu só sei fazer amor
Que para outro serviço eu sou mofino.
Lá em casa nasceu tanto menino
Que só conta que tem computador.

Meu irmão mais velho é engenheiro,
O mais novo já é advogado.
Lá em casa esse grupo está formado
O primeiro, o segundo e o terceiro;
Tem o quarto que hoje é marinheiro
E o quinto, que é aviador.
O mais velho é governo em Salvador
E o mais pobre supera João Claudino.
Lá em casa nasceu tanto menino
Que só conta quem tem computador.

Eu nasci para ser um campeão
E pretendo mostrar meu conteúdo,
Que em família tão grande dar de tudo:
Bailarina, bandido e cidadão.
Misturando essa miscigenação
Eu pretendo dizer tudo que sou:
Camelô, cantor e cantador
E campeão de poema nordestino.
Lá em casa nasceu tanto menino
Que só conta quem tem computador.

Meu avô se casou quatorze vezes.
Todas vezes no padre e no civil.
Talvez, neto, ele tenha mais de mil.
Sei que filho ele tem noventa e três
E bisneto são cento e trinta e seis.
Fora vinte que tem no exterior.
Tem político, padre e pastor
Nesse grupo de povo genuíno.
Lá em casa nasceu tanto menino
Que só conta que tem computador.


Francion da Silva





domingo, 4 de dezembro de 2011

Haicai 6

Desenho de Taciane, minha filha com seis anos.


Haicai, haikai ou haiku é um pequeno poema de origem japonesa com aspecto formal de três versos. O primeiro verso tem cinco sílabas poéticas; o segundo sete e o terceiro cinco. A tradição nipônica faz com verso branco e métrica perfeita, mas, no Brasil, tanto é praticado com verso livre quanto rimado (eu gosto mais assim), sobretudo por Millôr Fernandes. Aqui, no Amazonas, há muito haicaístas, como Luiz Bacelar e Zemaria Pinto, que foi meu professor. A idéia central do haicai é paisagística e filosófica, porém os brasileiros abordam temas diversos, por exemplo, político, humorísticopioneiro em fazer haicai foi  Matsuô Bashô (1644-1694), que se dedicou a fazer dele uma prática espiritual. A seguir,vou dar exemplos de haicais de autores diversos e depois os meus. Quero agradecer minha amiga Elisa T. Campos do blog  Pintando Haikai               por ter me cedido seus haicais.


Nesta noite
ninguém pode deitar-se:
lua cheia.
(Matsuo Bashô)

Ao sol da manhã
uma gota de orvalho
precioso diamante.
(Matsuo Bashô)

Olha,
Entre um pingo e outro
A chuva não molha.
(Millôr Fernandes)

probleminhas terrenos:
quem vive mais
morre menos?
(Millôr Fernandes)

tarde cinza
toda azaléia
arde em rosa
(Alice Ruiz)

a estrela cadente
me caiu ainda quente
na palma da mão
(Paulo Leminsk)

Um ponto preto
na vermelha flor de sálvia
estranho inseto
(Elisa T. Campos)

Ao lado do muro
verdeja canteiro de nabo
cultivo do vovô
(Elisa T. Campos)

A cor da saudade
no aroma de incenso
É dia dos pais
(Elisa T. Campos)

notícias do sol -
os pássaros da manhã
cantam na varanda
(Zemaria Pinto)
notícias do sol -

OS Pássaros da Manhã
cantam nd varanda
(Zemaria Pinto)

Formigas na porta
carregam o corpo
da cigarra morta.
(Luiz Bacellar)


E agora os meus:

Sistema Solar

Sistema Solar
É a parte da Galáxia
Que está nosso lar.

O Sol, astro-rei,
Com a gravidade rege
Tudo. É sua lei.

Planeta Mercúrio
Por ficar próximo de Helios
Ouve seu murmúrio.

O planeta Vênus
Ao se aproximar da Lua
Brilha muito menos.

No planeta Terra,
Onde o céu é azul e a
Vida nasce e encerra.

Ó, tímida Lua,
Tira esse véu de sua face
Que te quero nua!


O planeta Marte:
O brilho com seu rubor
É uma obra de arte.

Júpiter grandioso
Supera todos com seu
Volume gasoso.

Anéis de Saturno
São deslumbrantes, visíveis
No ciclo noturno.

O planeta Urano
Tem sua formação gasosa
Incluindo o metano.

Planeta Netuno
Fica no extremo solar
Muito inoportuno.    

Lá, na escuridão,
Está eternamente o
Planeta Plutão.



sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Selo Este Blog tem cantinho vip no meu coração


Ganhei este magnífico selo de minha amiga Adriana do blog  Calma amor......., que vale a pena visitar por ser um espaço onde as postagens agradam os olhos, o intelecto e o coração. Fico muito feliz quando ganho um mino deste, mas, por conter regulamento, não podemos reparti-lo com todos os amigos, no entanto, minha alegria posso compartilhar com todos. 
Vem um questionário:

 1.Qual o estilo musical com o qual você se identifica?

Romântico.


2.Diz três coisas que te fazem feliz.
Amigos, família, livro.
3.Três coisas que te deixam triste.
   Preconceito, arrogância e incompreensão.

4. Algo a conseguir.
Mais amizade.
5. Dê um conselho a si mesmo(a).
 Cuide-se melhor.

6.Passe o selo a três blogs. 






domingo, 27 de novembro de 2011

A cartomante

Desenho de Taciane, minha filha com seis anos e de Bruna, sua amiga com 13 anos.




Estou também no blog  As histórias de Emília  de minha amiga Emiliana com um texto divertido sobre Telemarketing.




Pela primeira vez em treze anos de trabalho, cheguei à minha casa mais cedo do que de costumo, numa sexta-feira, mas, antes de entrar, ouvi uma voz me chamando:
– Cinara! Cinara!
 – Oi! Era Alcina, minha amiga desde o colégio e agora semivizinha.
– Que bom que chegou cedo porque preciso de companhia para ir ali e estava justamente pensando  em ti. – Mas ali, onde?
 – No bairro de São Jorge. Vamos no meu carro. Entre!
Entrei no carro dela e seguimos de meu bairro, Cachoerinha.
– O que tu vais fazer lá? Quis saber.
– Vamos para...  é... bem... é que...
– Sim, para onde, maninha?
– É... Vamos àquela cartomante que te falei outro dia.
– Ah, a tal Fátima?
– Sim. É que estou um pouco nervosa. Por isso não quis ir sozinha. Mas não é necessário tu entrares. Sei que não gostas disso.  
– Tudo bem, mana!
Depois de meia hora de trânsito intenso, chegamos à rua, onde morava a tal cartomante na casa de número 131. Embora não acreditando nisso, entrei com ela. Fiquei sentada um pouco distante num estofado de capa estampada com flores violetas, só observando. Era uma sala com cortina nas portas com meia luz. Na entrada, havia uma cortina rarefeita de canudos de bambu, outros semelhantes a ossos que funcionavam como chocalhos para anunciar a entrada de cliente. Mais ao extremo, havia uma mesa onde a anfitriã recebia seus clientes.  Alcina entrou e sentou. Passaram-se cinco minutos, a tal apareceu. Era uma senhora morena, cabelos longos pretos e lisos, meio indígena, altura média, sobrancelhas finas e arqueadas aparentando uns cinqüenta anos. Trazia um pano marrom no ombro esquerdo e toda ornamentada com vários cordões tipo rosário com contas e búzios no pescoço. Com pequeno gesto facial, cumprimentou Alcina e se sentou. Tirou da gaveta um baralho, encardido pelo uso e começou a embaralhar as cartas fitando os olhos na Alcina. De quando em vez, ela se esquivava para esquerda para me observar. “Será que essa bruxa se invocou comigo?”, Pensei. Para disfarçar, fingi que estava lendo uma revista e, de cabeça baixa, olhava por cima, mas ela, sorrateiramente, percebia pelo franzir de minha testa e, quando eu olhava para ela, também disfarçava olhando para o maço de baralho. Ficamos neste fingimento por vinte minutos. Alcina se despediu dela e veio ao meu encontro.
– Vamos?
– Vamos embora. Eu disse.
– Tu não queres que  ela jogue as cartas para ti?

 – Eu não, não! Respondi meio nervosa.  A cartomante só escutando nossa conversa me olhando. “Eu sabia que as duas estavam tramando contra mim”. Pensei.
– Deixa de ser boba, ora! Ela não vai te fazer nenhum mal! Eu a conheço.
Fiquei sem jeito para recusar. Achei que seria mal-educada e fui. A miserável já me esperava sentada, como se tivesse certeza de que eu iria. “Isso é um complô. Aquela Alcina me paga!” Murmurei. Ao me aproximar da mesa, ela me cumprimentou com um gesto positivo com a cabeça e me pediu para sentar por meio de um gesto com a mão direita. Mirando-me nos olhos, ela começou a traçar o baralho. Dei um sorriso forçado com apenas o lado esquerdo da boca. A cartomante mantinha a concentração como se tivesse tentando adivinhar meus pensamentos. Enquanto isso, a mentecapta da Alcina foi me aguardar lá fora. Fátima tirou uma carta que tinha o desenho de um... acho que esqueleto com um foice e disse:
 – Terá morte na família! E, em seguida, embaralhou-o novamente e retirou outra carta que me pareceu um Cupido mirando uma flecha para um casal acompanhado por uma pessoa mais velha:
 – Haverá um casamento de um parente bem próximo que será feliz, mas haverá outro muito infeliz; estou vendo o sofrimento da mulher porque casará forçada. Tornou embaralhar as cartas e retirou outra com um desenho de uma criança montada num cavalinho de brinquedo e disse me mostrando:
 – Tu terás uma grande alegria!
– Alegria de quê? Como? Retruquei. Já estava me aborrecendo com as mensagens enigmáticas.
– As cartas não revelam o motivo. Apenas dizem que terás uma grande alegria! E assim, ela continuou me fazendo várias outras revelações que eu não mais me interessei porque, cansada, queria mesmo era ir embora, mas a última me deixou inculcada. Ela retirou uma carta que, se não me engano, tinha um desenho de um sol com rosto e um menino nu montado num cavalo branco.
– Tu terás um filho! Concluiu ela me mostrando novamente a carta. Levantei-me e fiz um gesto de abrir minha bolsa para pagá-la, mas ela interrompeu segurando no meu braço e me disse que Alcina já havia pagado tudo. Quando a cartomante me falou que teria um filho, a princípio, mesmo assustada, tive vontade de ir embora, até perdi o medo por causa deste despautério dela. Tive a certeza de que era uma capadócia tentando me enganar. “Como posso ter um filho, se há sete anos eu fiz laqueadura após o nascimento de minha última filha?” Ficava me indagando. “Aquela cartomante é uma farsante”. Pensava. Passaram-se alguns meses, todavia aquilo ainda me inculcava. Não sei foi coincidência, mas um contraparente meu falecera e minha filha primogênita passou no vestibular. “Será que as profecias daquela charlatã estão se cumprindo?” Eu resmungava. Impressionada, sentia que minha barriga crescia e, para aumentar mais meu desespero (parece uma coisa!) vi num telejornal, uma mulher processando um médico por ter engravidado cinco anos após a cirurgia de laqueadura. Logo procurei um médico. Fiz o exame de ultrassonografia. O médico me disse:
– Não se preocupe, dona Cinara, porque a senhora não está grávida, não. Somente está mais gordinha. 


domingo, 20 de novembro de 2011

O que impera

Desenho de Taciane, minha filha de seis anos.

Impera o silêncio na solidão;
Na ignorância, impera a razão;
Na alegria, impera a tristeza;
Na sociedade, impera a riqueza,
No egoísmo, impera incerteza...
Na humanidade,
Impera a vaidade.
No amor,
Impera o humor;
Na paixão, impera o tormento;
Na dor, impera sofrimento;
Na saúde, impera a doença;
Na religião, impera a crença.
Na verdade,
Impera a inverdade.
Na biologia,
Impera a cronologia.
Depois da saciedade,
Impera a saudade.
Com Javé,
Impera a fé;
Com Mavorte,
Impera a morte.



domingo, 13 de novembro de 2011

Nostalgia

Desenho de Taciane, minha filha de seis anos.

Depois que saí de minha cidade natal, somente voltei lá por meio da voz, letra e imagem, porém, há poucos anos, fiz um passeio imaginário por lá, que resultou neste poema a seguir:

 Tudo mudou;
Nada está no lugar:
A Casa não é mais a mesma de outrora,
A Rua tem outro sentido,
O Bairro evoluiu,
Não é mais subúrbio,
As pessoas têm outro status,
As crianças estão adultas,
Os adultos agora são velhos,
Os velhos se mudaram para Necrópoles,
Os amigos se tornaram estranhos,
Os estranhos estão mais estranhos ainda,
O Rio teve seu curso desviado,
A Praça não tem mais graça,
A Igreja não é somente para rezar,
A água é mais preciosa do que nunca,
O ar está quase irrespirável,
As árvores desapareceram na ambição humana,
O sabiá, o canário, o bem-te-vi, a rolinha
A graúna, o anum, o pintassilgo, o golinha, o beija-flor
E até o carcará não mais existem porque se mudaram ou se extinguiram;
As serras estão peladas e onduladas.
A cidade cresceu estupidamente.
Na natureza, está tudo se extinguindo.
Só se recrudesce o egoísmo humano.
Não há mais ilusão,
Só há fantasia.
A vida perdeu amor.
O amor perdeu valor e
Até mesmo Nosso Senhor
Mudou, modificou-se.


domingo, 6 de novembro de 2011

Cordel da Universidade

Desenho de Taciane, minha filha de seis anos. 

Já no primeiro período na faculdade, a professora nos deu um texto falando sobre a história e o papel da universidade para que fizéssemos outro conforme nosso entendimento. Logo pensei em fazer o meu em forma de cordel. Depois que fiz, achei simples, mas a professora gostou tanto que o expôs no mural. Como o governo tinha acabado de implantar a avaliação do curso superior, alcunhado de “provão”, o que causou insatisfação por parte dos alunos veteranos, então eu incluí o tema no cordel. Ao lerem no mural, procuram-me para pedir cópias para expor em outras faculdades, porque, segundo eles, era um panfleto contra o "tal provão”, não tive essa intenção, mas dei as cópias a eles. 




Quero ter mais do que nunca
Muito mais inteligência
Para escrever estes versos
Com a maior competência.
Falar da Universidade,
O universo da sapiência.

Teve suas lutas históricas,
O que há muito se viu,
Superou bem os obstáculos
Buscando o ideal que não atingiu.
Dar-nos resposta científica
Para o que antes era vil.

Com propósito constante,
Apesar da adversidade,
Que é ter melhor futuro
A ávida sociedade;
Qualificar o discente
Pra ter mental liberdade.

É nosso maior patrimônio,
Pois trabalha pra o povão;
É ciente de que não tem
Do país digna gratidão.
Constata-se sua eficácia
Sem esse tal de provão.