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sábado, 18 de fevereiro de 2012

Análise do poema "Eu vi uma rosa" de Manuel Bandeira

Desenho de Taciane, minha filha com seis anos.





Eu vi um rosa
- Uma rosa branca -
Sozinha no galho.
No galho? Sozinha
No jardim, na rua.

Sozinha no mundo.

Em torno, no entanto,
Ao sol de meio-dia,
Toda a natureza
Em formas e cores
E sons esplendia.

Tudo isso era excesso.

A graça essencial,
Mistério inefável
- Sobrenatural -
Da vida e do mundo,
Estava ali na rosa
Sozinha no galho.

Sozinha no tempo.

Tão pura e modesta,
Tão perto do chão,
Tão longe na glória,
Da mística altura,
Dir-se-ia que ouvisse
Do arcanjo invisível
As palavras santas
De outra Anunciação.

           
          Manuel Bandeira foi o introdutor do verso livre e também adaptou os ritmos e formas regulares ao Modernismo. Em toda sua obra, mostra uma ardente ternura e um grande amor pela vida. É desprovida de preciosismo e vocábulo hermético. Ele criticava arduamente a poesia tradicional, como demonstra em sua obra “A Poética”:

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
...........................................


Bandeira intitulava-se “o maior dos menores poetas” (clara modéstia),  todavia, sabe-se que, na verdade, é o maior dos maiores poetas; ele expressa isso em “O Testamento”:

......................................................
Fiz-me arquiteto, não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

           
          Através de seus “Alumbramentos”, realiza-se plenamente em sua obra. “Eu vi uma rosa” é um exemplo disso. Um poema pentassílabo em verso branco, constituído por duas quintilhas (estrofes com cinco versos), três monósticos (estrofe com um verso), uma sextilha (estrofe com seis versos) e uma oitava (estrofe com oito versos).

No primeiro verso, já se enceta com uma anáfora do título com o primeiro verso:
Eu vi uma rosa (Título)
Eu vi uma rosa (1º verso).

E a rosa começa a ascender paulatinamente, como uma hierarquia de dimensão: galho, jardim, rua, mundo, no primeiro monóstico:

 "Eu vi um rosa
- Uma rosa branca -
Sozinha no galho.
No galho? Sozinha
No jardim, na rua".

Sozinha no mundo

            Na segunda estrofe, há uma antítese com a primeira. A rosa não está mais sozinha, pois ao seu redor, estão a natureza, o Sol, os sons. Do segundo ao quinto versos, da segunda quintilha, há um hipérbato:

“Em torno, no entanto,
Ao sol do meio,
Toda a natureza
Em formas e cores
E sons esplendia".
           
            A seguir, há um monóstico que admite hipérbole a tudo que lhe foi atribuído anteriormente (à rosa):

“Tudo isso era excesso”.

            No primeiro bloco, que compreende da primeira à segunda estrofe e o verso avulso, a rosa atinge o ápice do plano material e no segundo bloco (terceira estrofe adiante), ela parte para o plano místico, simetricamente com aliteração (“essencial”, “inefável” e “sobrenatural”):

“A graça essencial,
Mistério inefável
- Sobrenatural-
Da vida e do mundo,
Estava ali na rosa
Sozinha no galho.

Sozinha do tempo

            Ainda nesta estrofe (terceira), há uma reflexão de como uma simples rosa conter tanta grandeza, tanto mistério, se ele está sozinha no galho, no mundo, na vida e como pode guardar tanto segredo, o milagre da vida e ser tão pura.
            Bandeira fez sua obra como um diário íntimo que vai sugerindo no dia-a-dia, como constata-se no “Itinerário de Pasárgada”. “Eu vi uma rosa” é um ideário do “eu lírico”. Na última estrofe, há anáfora nos três primeiros versos (Tão pura e modesta, tão perto do chão, tão longe da glória) e há também aliteração nos dois primeiros versos (“pura”, “perto”). Há uma espécie de abstração sem sair do plano físico, porém a rosa branca (branco da paz, clara referência à época que o poema foi feito, em 1945, ano que terminou a Segunda Guerra Mundial, em que o mundo estava necessitando, mais do que nunca, de muita paz) comunica-se com o plano metafísico, por intermédio do anjo supremo, que é o Arcanjo Gabriel:

“Tão pura e modesta,
Tão perto do chão,
Tão longe na glória,
Da mística altura,
Dir-se-ia que ouvisse
Do arcanjo invisível
As palavras santas
De outra Anunciação”.

            “A “rosa” como metáfora do mundo, ou seja, a visão do “eu lírico” faz a rosa transitar ora no sublime (“Tão longe da glória, Da mística altura), ora no chão humilde do cotidiano de Bandeira” Davi Arrigucci Jr.
            Esse texto é um trabalho que fiz na disciplina Teoria da Literatura I, do curso de Letras. Meu professor era nada menos que Milton Hatoum, escritor amazonense de origem libanesa, que já ganhou três prêmios Jabuti pelos romances: “Relato de um certo Oriente (1989), “Dois Irmãos” (2000) e “Cinzas do Norte” (2005). Pela gama de conhecimento do professor em literatura (e eu, apenas um calouro), fiquei feliz por ele ter me dado uma nota oito. E ele ainda nos alertou que se copiássemos a idéia de algum autor sobre o poema, ele saberia e diminuiria nossa nota, ao menos que citássemos o autor. Mas ele é, além ótimo escritor, um excelente professor de literatura e de língua francesa. Decidi publicá-lo, pois de nada serve arquivado numa pasta. Aqui pode servir de aporte para alguém e para meus amigos e leitores terem uma idéia de como se faz uma interpretação de um poema.


 Site de Milton Hatoum: http://www.miltonhatoum.com.br/





33 comentários:

  1. Eu, como educadora e aprendiz eterna de bons ensinamentos, Mestre Bento, dou-lhe nota dez! Fantásticamente pedagógica sua aula-orientação de literatura! Blog assim, faz-nos crescer intelectualmente! Emocionalmente, nem se fala pois a "linda rosa" da Taciane, complementa!
    Abraço amigo da Célia.

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  2. Caraco Bentão meu amigo, como é interessante essas análises que você faz! Dá pra perceber nas entrelinhas que você realmente manja do que fala e que ama isso!

    Parabens meu amigo! Eu aprendo muito aqui. Bem mais do que em algumas aulas de portugues que tive ao londo da vida!

    Um abração!

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  3. Bento a tua postagem é uma verdadeira aula viu?
    Só assim aprendo alguma coisa sobre poesia.
    Obrigada!!

    Beijos amigo e a rosa da Taciane fez jus ao poema hein?

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  4. Bonsoir mon chéri ami Bento,

    À toi (c'est le nom d'une chanson de Joe Dassin, tu sais) et à ton Professeur mes félicitations.
    Avoir un élève comme toi, ce n'est pas habituel.

    AVOIR UN AMI COMME TOI C'EST MERVEILLEUX ET C'EST UN PRIVILÈGE, AUSSI.

    Falando a nossa Língua, te digo, que fiquei deslumbrada com o teu estilo, o teu preciosismo nesse trabalho. Nove, seria a nota ideal, porque a nota máxima é, sempre, para e do professor.
    Eu já conheço o teu talento, não só como Professor, mas também como Homem/Cidadão.
    És, extremamente, ponderado, SANTO DEUS!
    E agora, estou a lembrar-me da tua infância. Desculpa, mas era necessário referir aqui, essa etapa da tua vida, para se compreender melhor a força da tua sabedoria académica, e de tudo aquilo, que és, HOJE.
    És tão competente e tão, divinamente, metódico e perfeito.

    A VIDA PARA TI, QUERO, QUE SEJA UMA METÁFORA, BEM EXAGERADA E UMA ROSA SEM QUALQUER ESPINHO.

    A Taci desenhou já a flor, que é ela, tua melhor figura de estilo.

    Abraços de muito carinho, luz e apreço.

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  5. Bentinho,
    maravilhoso post!
    Como sabes, estou entrando em férias, por isso te peço desculpas pela pressa e deixo-te aqui o talvez, mais fantástico poema de Manuel Bandeira, grande abraço e um beijo especial na Taci! Nos vemos em março!

    O BICHO

    "VI ONTEM um bicho
    Na imundície do pátio
    Catando comida entre os detritos.
    Quando achava alguma coisa,
    Não examinava nem cheirava:
    Engolia com voracidade.
    O bicho não era um cão,
    Não era um gato,
    Não era um rato.
    O bicho, meu Deus, era um homem."

    Manuel Bandeira

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  6. Prof. Bento eu não daria oito, embora eu pouco entenda de literatura, tenho minhas pouquíssimas informações apenas; mesmo assim achei excelente a aula que destes aqui, para mim valeria bem mais que oito.
    Um grande abraço!

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  7. Olá, amigo Bento.

    Muito bom ter trazido para nós o seu trabalho.

    As folhas não podem ficar retidas porque a boa planta cumpre o destino de deixá-las soltas.

    E nestas suas folhas, neste momento, virtuais, estão grafadas a rosa vista por Bandeira, eternizada em poesia que desnuda o segredo do ciclo da vida que está em toda parte. A rosa não é modesta quanto parece, aos olhos de Bandeira, porque ele sabia ver a vida além dos horizontes.

    Isto é o que nos ressalta aos olhos no seu belo trabalho, que além de dizer da essência do poema, nos brinda com a explicação da estética, da poesia com suas rimas e métricas.Trabalho coroado em méritos.

    Bom momento, esse nosso, de aprendizado.

    E a jovem Taciane sempre acompanhando nos desenhos as belas ideias do pai.

    Parabéns por nos trazer tão belo tema.

    Um abraço.

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  8. Sou fã dos dois. Manuel Bandeira e Milton Hatoum.
    Sobre Bandeira foi meu estágio básico no curso de Letras pela UNESP. Continuei pesquisando as crônicas de MB na iniciação científica e agora dou continuidade no curso de mestrado. Um autor sensívelmente lírico e de uma cultura incrível! Quanto ao Hatoum, tive a oportunidade de ler dois de seus livros e achei magnífico! Ainda não o conheci pessoalmente mas sei que tem um enorme talento.
    Parabéns pela escolha!

    Um abraço
    Marineide Dan
    (marciagrega)

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  9. Estou fascinada com sua capacidade de interpretação. O professor ainda queria mais? Você demonstrou conhecimento em todas as esferas. O próprio poeta, se lesse seu texto, certamente lhe daria um 10, com louvor. Bravo!!!!!
    Sua lindinha, como sempre, ilustrando suas postagens. Isso é encantador.

    Grande beijo!

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  10. Querido Amigo Bento,
    Adoro Literatura! e aprendi muito com você hoje, impecável interpretação de texto. Excelente professor! e é um privilégio ter você como amigo...Linda rosa a da Taci, ela deve ter orgulho do pai que tem! Um abraço

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  11. Olá querido Amigo!!

    Amei voce ter postado o Manuel Bandeira e ter compartilhado conosco um pouco da sua história.

    Lindo poema...Patabéns pela postagem!

    Amei!

    Beijo a todos...especialmente a artista Taci!!

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  12. Wow!! Nunca li uma análise tão detalhista do poema! Agora cá para nós, quando um poeta se cansa, a "coisa" anda grave!! E não é que nos finais de domingo, quando a gente sente a segunda-feira chegando, somos em parte como essa rosa: sozinha no galho, na rua, na chuva, no sol - um mundo tão magnifico a nossa volta mas com a promessa de nos prender em algum lugar fechado.
    Boa semana!

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  13. Bento,gostei muito do poema, parabéns pra você, e
    meu querido, Manuel Bandeira,minha nota e (10)...

    O poema e uma Literatura, completa que nos faz
    refletir o entendimento,e pura arte.
    O desenho da Taciane ficou tudo de bom!
    Bom feriado. Deus esteja sempre bem pertinho de vc, e sua
    familha.
    Beijo na Taciane!
    Abraço!
    Luci Sales.

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  14. Sabendo dessas informações, respeito ainda mais o Manuel.

    Na real gosto de tudo que enfrenta o dito "correto".

    Sei da qualidade dos poetas antigos e da suas estruturas tão organizacional.

    Porém, essa forma livre e crítica que o Manuel quis introduzir, me agrada MUITO mais.

    E essas interpretações poéticas é interessante para adentrarmos mais o obra do autor, pois a maioria dos significados ficam nas "entrelinhas".

    Abração Bento.

    ----
    Site Oficial: JimCarbonera.com
    Rascunhos: PalavraVadia.blogspot.com

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  15. Querido Amigo.
    A muito não lia uma postagem tão detalhada
    linda e de facil entendimento sempre curti muito suas postagens .
    Mais essa ficou linda demais.
    Amada já passando muio cedo para desejar um feliz final de semana.
    Na sexta se casa meu neto é muita correria imagine minha alegria amigo.
    Logo vou ser bisa isso é benção para nossas vidas.
    Um beijo carinhoso.
    Evanir.

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  16. Fez bem em publicar, Bento, estas coisas só fazem sentido se forem partilhadas, é um pouco de nós que abraça os outros.

    Abraço

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  17. Olá Bento, vim retribuir sua visita no meu blog, fiquei feliz em te ver por lá :D
    Aqui como sempre perfeito.
    Um Beijão e boa semana!

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  18. Querido amigo Bento, por muitas vezes comentários elogiosos podem parecer falta do que comentar ou simplesmente opiniões falsas sobre o blog e seu autor. No entanto, quero dizer quer fica difícil está no seu blog e não tecer elogios ao modo como o conduz. É para nós, leitores, razão de aprendizado suas publicações. Por favor queira entender e receber como verdade essas minhas simples palavras. Um grande abraço.

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  19. Como vai professor?
    Me fez lembrar uma professora que nos fez analisar o Hino Nacional Brasileiro, desse mesmo modo.
    Incrível.
    Muda completamente todo o sentido do texto.
    Ou melhor...Dá outra visão, mais completa e verdadeira.

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  20. Professor Bento vim lhe agradecer as palavras.
    Um grande abraço!

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  21. Olá! Navegando pela Net, te encontrei, gostei e já estou seguindo! Ficarei muito feliz e honrada se puderes retribuir me seguindo de volta! A festa dos 800 já começou! Só falta você! Vem! Uma sexta-feira abençoada e um final de semana iluminado! Grande e fraterno abraço!
    Elaine Averbuch Neves
    http://elaine-dedentroprafora.blogspot.com/
    http://www.dihitt.com.br/elaineaverbuch
    http://twitter.com/@elaineaverbuch

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  22. Eu sempre lhe dou 10. Como amigo, como pai, como aquele que enriquece nossos espaços com seu conhecimento, ao fazer comentários. Tenho um grande prazer em recebê-lo. Bjs.

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  23. Amigo Bento...um bom final de semana a voce e a toda sua familia.

    Um bj

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  24. Parabéns pela análise e pela escolhas das poesias! Teu blog também é ensinamento e cultura, aconchego e paz! Obrigada pelo teu carinho lá no blog! Ótimo sábado! Tem post novo! Vem! Espero você! Grande bjo!
    Elaine Averbuch Neves
    http://elaine-dedentroprafora.blogspot.com/
    http://www.dihitt.com.br/elaineaverbuch
    http://twitter.com/@elaineaverbuch

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  25. oi Pai:S tudo bem a gatinha ta aqui tchau beijos

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  26. "A “rosa” como metáfora do mundo, ou seja, a visão do “eu lírico” faz a rosa transitar ora no sublime (...), ora no chão humilde"

    é justamente essa a função da poesia: tocar polos de cada corpo que os poetas [todos eles: os que escrevem, os que sentem e os que leem, estes porque sentem e reescrevem] vestem, nesta jornada que a todos percorre e a que chamamos vida.

    abraço, querido amigo!

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  27. Muito detalhe né? Às vezes é bem mas fácil ler entender e pronto.

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  28. Bento,

    Li e reli o poema. É uma delicia, uma leveza.
    A sua análise é profunda, me fez enxergue-lo de forma diferente.
    És um professor e tanto! Admiro-te.

    Abraço!

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  29. Bento

    Adorei esta postagem. Falar de Manuel Bandeira. Analisar Manoel Bandeira só você como habilidoso professor pode nos
    proporcionar estes momentos.
    E como sempre a sua linda Taciane complementando com o seu desenho.
    Amei. Um abraço.

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  30. Meu amor estou carente
    Esta tão triste o meu dia
    Minha cama está tão fria
    Falta o seu corpo quente
    Volte imediatamente
    Traga pra mim o seu beijo
    Vem matar o meu desejo
    Chega de sentir saudade
    Não tenho felicidade
    Quando acordo não te vejo.

    Passo a noite acordado
    Ouvindo a voz da saudade
    Todo meu quarto ela invade
    Me deixando atordoado
    Sinto você do meu lado
    O seu cheiro esta no ar
    Procuro sem te encontrar
    Minha loucura aumenta
    Meu coração não aguenta
    Mais um dia sem te amar.

    Eu sinto que a depressão
    Já esta chegando perto
    Ontem ouvi do Roberto
    Aquela nossa canção
    Senti no meu coração
    A tristeza se instalar
    Chorei sem querer chorar
    Pela a dor que atormenta
    Meu coração não aguenta
    Mais um dia sem te a mar.
    MANDACARU

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  31. tenho 12 anos e sou apaixonada pelo poeta manuel bandeira e seus lindos poemas é claro!!!!!!!ótimo,amei

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  32. POEMA ::: TUDO HAVER COMIGO *-*

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  33. Por favor, onde se encontra essa passagem do Davi Arrigucci? É em "Humildade, Paixão e Morte"? Obrigada

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