Desenho de Taciane, minha filha de seis anos.
Às seis horas da manhã,
Zé Balão fora buscar o jumento Sansão para irem mata adentro sapecar mandacaru
(os espinhos) e trazer para alimentar as vacas-leiteiras. Naquele ano, a seca
foi braba e não havia forragem para o gado comer. E, para as vacas de leite,
que alimentam a família, a comida tem que ser melhor e mais nutritiva para
produzir mais leite; para as demais, porém, apenas alimento de subsistência,
uma vez que são muitas (a dieta consistia em folhas dos galhos de moquém,
juazeiro e catingueira, árvores que se mantêm verdes o ano inteiro, que Zé
Balão derrubava). Mesmo tendo apenas quatorze anos, ele era responsável pela
pecuária e até pela agricultura da fazenda Boa Esperança, com cerca de cento e
cinquenta hectares, que pertencia a seu avô paterno. Ele era muito longevo e
doente. Não tinha condição de cuidar do rebanho nem da terra, e como morava com
sua avó e com dois netos, que os criou desde criança, pediu ajuda de Zé Balão, que
morava com seus irmãos adolescentes mais velhos numa casa próximo da residência
de seus avôs na fazenda, pois eles foram vítimas de uma separação conjugal
insólita: foram abandonados primeiro pelo pai, depois pela mãe. Cada um seguiu
rumo ignorado e diferente. Tinha só dez anos quando foi trabalhar na fazenda,
ganhando, além da comida e de algumas roupas feitas de tergal e de
volta-ao-mundo, uma cordeirinha por ano, após algum tempo, já tinha seu rebanho.
Sansão era um animal enorme e forte, porém muito manhoso
e indolente. Era polivalente. Zé Balão não fazia nada sem ele: água, lenha,
colheita em geral e condução de rebanho eram tudo conduzido pelos dois. Quando
Sansão amanhecia com lundu, não queria fazer nada; empacava, cismava de ir na
direção oposta, deitava-se com a carga, gemia como quem não agüentava o peso,
era uma lástima, um atraso na labuta de Zé Balão, que o castigava para ele se
aprumar. Ás vezes, ele apanhava tanto que, ao ser surrado no lado direito da
garupa, pendia para a esquerda gemando de dor. Quando derrubava a carga, de
propósito, ou se deitava com ela, era espancado espraguejado e amaldiçoado:
- Inútil! Preguiçoso!
Desgraçado! Imprestável! Eu te mato! Deblaterava seu algoz. Sansão ficava
inerte, acuado e, muitas vezes, chegou a se sujar de dor e pavor de Zé Balão.
De tanto apanhar na cabeça, - geralmente com cipó de mofumbo – não podia ver
uma mão levantada, mesmo para um aceno que se esquivava todo como medo de lhe
baterem.
Neste dia, Zé Balão estava exausto. Não toleraria as
arteirices de Sansão. Encontraram um pé de mandacaru galhudo e frondoso que
dava até mais de uma carga. Cortou os galhos para ter os espinhos queimados e
fez o fogo com gravetos de marmeleiro e lenha de catingueira. Após sapecar os
espinhos dos galhos, sentiu-se esgotado porque dormira tarde cuidando de uma
novilha que encontrara caída de fome e a colocou no jirau. Escorou-se, sentado
num tronco de uma imburana de grande copa para descansar um pouco, uma vez que
já eram oito horas. De repente, tentou se levantar, porém não pôde. Suas mãos
estavam arredondadas como um casco equino, por isso, não conseguiu se apoiar no
galho. Tentou gritar: - ai, meu Deus! Mas só conseguiu no pensamento. Soltou um
mugido parecido com um relincho. Olhou-se todo e só viu um corpo desengonçado e
cinzento de jumento. Como muito esforço, levantou-se. Procurou Sansão, mas não
o via. Antenou suas enormes orelhas para o Nascente e vislumbrou, ofuscadamente,
pelos raios solares, um homem aparentando meia-idade. “Será o Sansão”? Pensou.
“Não pode! Será que eu virei jegue e Sansão, gente?” Ponderou. Logo o homem
carrancudo se aproximou dele com um cipó na mão e gritou: “Vamos, preguiçoso!”
Deu-lhe uma cipoada na barriga. Pôs a cangalha e os cambitos nele e começou a
carregá-lo. “Será que ele vai colocar toda essa carga em mim?” Protestava
mentalmente. Todavia, ele colocou. Zé marchou gemendo, porém Sansão,
insensível, surrou-lhe impiedosamente nos quartos, nas pernas, na barriga e
onde o galho alcançasse.
Zé Balão seguiu carregado de galhos do cacto, parecendo um
cágado de tão grande era o carregamento. O peso era tamanho que suas vértebras
pareciam que iam se esfacelar. Seus cascos já estavam estropiados devido às
pedras, ladeira e barrocas na vereda. Zé gemia arfava, bufava, entretanto,
Sansão não se comovia com seu tormento, seu fardo. Ao contrário, ele o xingava
o tempo todo: “se derrubar a carga, seu molenga, eu te mato, viu?”. Eram nove e
meia, o sol esquentou. Várias vagens da catingueira fizeram um estrépito forte.
Zé Balão acordou:
- Ah, Graças a Deus! Foi
só um sonho! Nunca mais vou judiar de Sansão. O jegue olhou para ele com as
orelhas murchas como quem não estava acreditando na promessa.
Zé Balão se
espreguiçou:
- Mas, ai que dor
horrível nas minhas costas!
Bento,
ResponderExcluirTenho cá para mim que esta história - talvez destinada a sua filha Taciane, quem sabe? - foi baseada nas suas vivências.
Bem construída e com um forte pendor pedagógico. Parabéns!
Abraço
Bento, deliciosa história. Os dois personagens do texto, que também pode ser considerada em alguns aspectos, uma fábula, Zé balão e Sansão, nos remetem a um lugar, talvez num tempo construído pela imaginação de quem ler, todavia, nos faz deparar com uma grande carga de emoção e por momentos uma certa carga de dramaticidade. Bento, meu querido, amarei. Um grande abraço.
ResponderExcluirBentinho, Rei do Cordel!!!
ResponderExcluirVim para te avisar que, como hoje é domingo, tenho um "bebê" aqui de 4 anos exigindo a mãe. Volto com calma à noite para comentar com tranquilidade. Mas avisa a Taciane que ela tem uma fã e uma fãzinha por aqui, dos desenhos dela!
òtimo domingo para ti e família!
Como sempre perfeito o teu texto e concordo com meu amigo AC.
ResponderExcluirAcho que de certa forma pode ter sido destinada a pequena Taci ^^
Parabéns meu querido vc é perfeito em tudo q faz!
Abraços, desculpe a ausência, estou com problemas de saúde e retornando como eu posso!
Tenha um Ótimo final de Semana =*
Bento.... bom quando se escreve por lugares vividos..
ResponderExcluirVc passa verdade na sua escrita.
Belo texto...parabéns meu amigo!!!
Tem festa lá no meu cantinho. Te espero..
Bj
Fico torcendo para que Zé Balão tenha aprendido com o sonho a lição....será??? Só você poderá nos dizer no próximo capítulo Bento.
ResponderExcluirBeijos e boa noite!!
Carla
:D
Se todo sonho tivesse o poder de consertar o mundo... e a verdade é que tem.... e acreditar nele já é o começo!
ResponderExcluir:D
Gosto da sua narrativa. Ela é clara. Simples. Rica em detalhes.
ResponderExcluirO desenrolar da história mistura o ludico e o real. Creio que parte dela foi vivida.
O bacana é que são sempre narrativas com uma lição a ser entendida e aprendida.
Acho que não vai demorar para podermos ter todas as narrativas e haicais em um livro. Vai demorar?
Conto com um livro seu publicado.
Ótima semana pra você.
Forte abraço.
Taci...
Saudade de você.
Adorei seu desenho e o Jean.
Beijo princesa.
Boa história prof. Bento. Se colocar do outro lado é sempre complexo e muita das vezes complicado para alguns. Uma ótimma semana para você.
ResponderExcluirUm grande abraço!
Folhas de Outono adora visitar Folhas Soltas !
ResponderExcluirE vc como sempre trazendo textos narrados dentro da nossa realidade ...isso é muito bom,nos acrescenta muito nossa forma de querer ler mais...aplausos sempre...
Bjs de um belo alvorcer!
Bentinho, Rei do Cordel, dos contos..., das alegorias..., metamorfoses!!!!!
ResponderExcluirQue texto!
Zé Balão e Sansão. Não deixa de habitar em nosso imaginário uma situação em que muita gente por aí trocasse seus "personagens" com o dos bichos que maltratam. O toureiro, com o touro... e por aí vai. Muito bom, um tanto quanto surreal. E chamo a atenção aos termos regioanais. Lembrei-me da música: "mandacaru quando pula lá na cerca, é sinal que a chuva chega no sertão"... Podia jurar que o tal mandacaru era um bicho! rsrs :)
Vivendo, aprendendo e lendo!
Ótima semana, amigo!
Olá Bento, meu amigo de Além Mar e de Sempre,
ResponderExcluirLi, o seu texto duas vezes. É uma narrativa longa, com regionalismos, que embelezam a prosa, e com uma naturalidade, de espantar.
Dele, se extraem, sempre, moralidades.
Boa semana.
Agradeço o seu comentário em meu blog.
Beijos de luz para você e Taciane.
Ah que bela historia.
ResponderExcluirBom seria se as pessoas pudessem assim como aqui,se ver um pouco que fosse na pele de quem fazem sofrer.
Seria uma boa mesmo.
Vc é fantástico sempre.
Boa semana.
Olá Bento,
ResponderExcluirGostei muito da narrativa e do conteúdo da história. Ele traz uma boa lição. Seria ótimo se nos colocássemos no lugar das pessoas a quem ferimos. Muita dor seria evitada.
Espero que o Zé Balão tenha aprendido a lição com aquele sonho (quase real, tanto que lhe rendeu dores nas costas rsrsrs).
Grande abraço.
Bento!
ResponderExcluirUma historia belissima!
Comecei a ler, vc sabe que nâo tenho muito
tempo. Mais essa fiz questâo de imprimir, para
refletir melhor: Entâo vc me fez chorar!
Tenho certeza que a historia nâo foi só
um sonho, mais no meu ponto de vista tem
mais realidade de vida.
Sua narraçâo foi linda!
A ficçâo excelente!
E mais uma vez parabéns!!
Taci amo você!
Beijo no seu coraçâo!
Luci Sales.
Bento, um belo desenho da sua pequena Taci
ResponderExcluirEssa é um bela história, muito bem narrada, acredito não ser só um sonho, parece que tem um realidade conjunta. Gostei dessa dupla Zé Balão e Sansão. As vezes os sonhos são saudades guardadas no profundo do nosso ser.
Beijo!
Ótima semana !
Bento a Taciane é uma artista hein???
ResponderExcluirAdoooooroooo desenhos de criança!!!
No meu blog tem vários de quando ele era educativo. Os da Taciane são muito lindos.
Parabéns para ela!!!
Beijos e bom dia!
Carla
:D
Belíssimo texto, Bento.
ResponderExcluirDá para sentir na pele os apuros do pobre animal e de quem sofre com as intempéries do clima da caatinga.
E quem com ferro fere...
Abraço.
Passando para beber um pouco deste texto e deixar desejos de uma boa noite!
ResponderExcluirBjssssssssssssssss
Amei! E não consegui deixar de rir. Bem feito!
ResponderExcluirA dor nas costas, ao acordar, não vai permitir que descumpra sua promessa. (desenhos de criança são mesmo fofos, além de possibilitar o desenvolvimento da criatividade e... crescer).
Bjs.
Muito original, como sempre excelente escolha de tema, a Taciane tem a quem puxar em originalidade....Lindo desenho também...Um abraço
ResponderExcluirObrigada pelas carinhosas palavras, meu amigo. Essa convivênia virtual é muito prazerosa. Ainda há pouco fiquei triste com o afastamento do MARIO CRAVO. Cada um que nos abanona, independente de reconhecermos válidas as razões, nos deixam um vazio.
ResponderExcluirBjs.
Olá Bento,
ResponderExcluirComo vai? E Taci?
Passei para vos deixar um abraço e beijo.
Continuação de um dia cheio de sorrisos.
Reli seu texto. Você é tão natural, tão puro!
Beijos da sua amiga de Além Mar, de Sempre e de luz.
Fala meu mano Bento,
ResponderExcluirCara, que conto maravilhoso! Me fez pensar o quanto esse nosso Brasil é grande e rico em diversidade. A gente que vive nessa selva de pedra esquece essa linguagem, esse jeito peculiar dos Zés Balões desse nosso país. "Sapecar mandacaru", "galhos de moquém","cipó de mofumbo"... Eu me senti um estrangeiro do meu próprio país! Rsrs... Você deve ser um daqueles grandes contadores de "causos".
Grande abraço meu camarada.
Almir Ferreira
Rama na Vimana
Oi Bento..passei pra te dar um OIIIII!!!!
ResponderExcluirbj
Olá Bento,
ResponderExcluirEstou passando para lhe deixar um abraço.
Vera.
pena que ele teve de ter um sonho para que só assim se colocasse no sofrimento do coitado animal que tanto o ajuda.
ResponderExcluirRepudio pessoas que maltratam animais, se fazem com inofensivos imagine com o semelhante.
Sabe Bento, conheço duas histórias verídicas sobre maltrato á animais. Uma pessoa que não vem ao caso citar nome, recolhia cachorros e gatos e os colocava dentro de sacos plásticos e jogava eles contra postes de luz e paredes. Um dia saindo de uma festa com sua moto em uma avenida encontrou um poste pela frente e morreu.
Outro é de um que judiava de seu cavalo, porque o bicho era marrento e não obedecia, ele então com troncos de moirão batia no cavalo até ele grunir e bufar, uma vez ele deu tanto na cara do animal que cegou ele de um olho. Dias desses o filho dele se meteu em uma briga com uns trombadinhas aqui e o mesmo foi alvejado na face por algo que eles não sabem o que é, mas o menino teve de reconstruir a maça do rosto com platina e o olho quase ficou cego.
Esses casos são reais e eu os presencie.
Então penso que tudo que fazemos de um jeito ou de outro retorna pra gente.
Bom final de semana Bento pra vc e sua família e um Beijão na Taciane!
Have a GREAT weekend, Bento !
ResponderExcluirBentinho, meu amigo!
ResponderExcluirRei do Cordel!
Só tenho a te agradecer a presença de fé por lá! Sempre presente! Isso significa muito para mim. Obrigada! No aguardo de mais um post maravilhoso seu.
Grande abraço!
Bento
ResponderExcluirÉs um escrevinhador de primeira qualidade.Adorei o seu conto com riqueza de palavras e detalhes.
A sua filha quando aprender a ler ficará muito orgulhosa de você. Aliás, ela já está demonstrando que tem o mesmo gosto pela arte. Lindo essa cumplicidade.
bjs
Folhas de Outono adora visitar Folhas Soltas!
ResponderExcluirAté no domingo eu amo você!
passando para beber um pouco das tuas escritas...
bjsssssssssssssssss
Bento,
ResponderExcluirGosto muito do que você escreve, seja lá qual for o estilo.
Amei esse conto (ou fábula?).
Colocar-se no lugar do outro é uma boa maneira de entender o que nos cerca e de crescer como ser humano.
muitos beijos